Sunday, November 23, 2008

Pensar no dia de hoje.

Hoje tive um dia interessante no serviço. Uma situação em particular fez-me pensar sobre o nosso papel ali, como profissionais de saúde, e sobre o papel do doente.
Ele, o sr. P., entrou para o serviço na noite de 6ª para sábado, tendo sido eu quem o recebi e fiz a sua admissão e socialização ao serviço. Um homem que se percebia de imediato ter um grau académico elevado e pertencer à classe alta do nosso país (uma minoria na população que recebemos por lá). Tinha um amigo médico no HSJ, que o obrigou a recorrer às Urgências depois de saber que há 7 dias que o senhor perdia sangue em grande quantidade nas fezes, encontrava-se muito cansado e pálido. Foi convencido que não ficava internado, mas uma Hemoglobina de 5.7 mg/dl, a necessidade de ser transfundido e uma Endoscopia que não mostrou nenhuma alteração, obrigaram-no a ser transferido para o nosso serviço para se estudar melhorar a sua situação e perceber onde estava a causa desta perda marcada de sangue.
À entrada percebi de imediato que a sua ideia não era ficar muito tempo por lá até porque a intenção nunca foi sequer ficar um dia. No entanto, mostrava-se um doente calmo, bem-disposto e extremamente colaborante em todos os cuidados que lhe eram prestados.
Uma vez que li a sua nota do Serv. de Urgência percebi que, além das alterações analíticas a nível do hemograma, existia uma pequena nota que, habitualmente, não é muito bom sinal: "apresenta glóbulos brancos atípicos; aconselha-se observação pela Hematologia".
Ontem, já de tarde, o Dr. E. entrou ao serviço e já estava a par da situação do sr., pois o tal médico amigo do HSJ tinha falado com ele e pedido que acompanhasse o caso. O Dr. E. diz então ao doente que hoje gostaria de lhe fazer uma Biópsia Óssea e um Mielograma para estudar melhor a sua situação. O doente recusou. Disse que não iria fazer esse exame hoje e que gostaria de ter alta com alguma brevidade, começando a ficar um pouco ansioso pelo que se teve de pedir novamente a presença do médico, que tentou dar um "calmante" ao doente, que mais uma vez recusou.
Hoje, quando cheguei ao serviço, fui alertada para este facto. No meu interior, pensando um pouco no senhor e naquilo que tinha conhecido dele, e pensando no Dr. E., e naquilo que conheço dele, percebi que o mais provável é que o doente tivesse alta hoje mesmo.
Durante a passagem de turno surge um pequeno debate... quem teria razão? Porque recusava o doente o estudo da sua situação? Terá o médico abordado o doente da melhor forma? Será que o doente, visto ter sido operado anteriormente em Inglaterra e fazer seguimento regular nos USA, "está com a mania" que isto aqui não presta e ninguém percebe nada do que faz? Será que o doente tem alguma razão ou é meio histérico?
A minha questão, depois de ter visto o doente sair com alta contra parecer clínico, após o médico ter tentado uma nova abordagem e ter colhido sangue para análises, pelo menos, para que o doente pudesse ter algo para mostrar ao médico que o irá seguir posteriormente, é...
Estaremos tão habituados a doentes que, por um menor grau de educação, não questionam o seu tratamento, que quando um o faz pensamos de imediato que está a questionar, não aquilo que é um total e incontornável direito seu, mas a nossa capacidade e o nosso mérito enquanto profissionais de saúde?
Reagem todos os doentes da mesma forma a uma "possibilidade" de diagnóstico menos positiva?
Será que todos os doentes têm que querer ser seguidos, que querer tratamento, que querer passar por tudo isso? (ou somos nós que achamos que cuidar de alguém implica sempre tentar tratá-lo e que não sabemos lidar com a impotência de "deixar o destino conduzir o futuro dessa pessoa"?)
O doente... ou melhor, o senhor P., saiu cerca das 12h do serviço, para casa, na companhia da sua filha. Numa pequena conversa que tive com ele antes da alta, percebi que tinha gostado do nosso trabalho e do que fizemos por ele. Tentei que entendesse que seria melhor fazer seguimento, apenas porque estas suspeitas não se levantam sem haver pequenos sinais de alerta. Disse que o faria, mas fora dali, podendo dormir todos os dias na sua casa, na companhia da sua família. Terminou dizendo: "mas eu não tenho nada". Negação ou encarar o futuro dia a dia, sem pressas, sem medos, sem "pôr a carroça à frente dos bóis"? Não interessa. Importa sim que foi a sua decisão e que deveremos respeitá-la.
Quem somos nós para decidir por alguém que o consegue fazer sozinho?

Wednesday, November 5, 2008

Ventos de mudança.

I have a dream.

"(...) We cannot walk alone. And as we walk, we must make the pledge that we shall always march ahead. We cannot turn back. (...) And so even though we face the difficulties of today and tomorrow, I still have a dream. It is a dream deeply rooted in the American dream. I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: «We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal.» I have a dream that one day on the red hills of Georgia, the sons of former slaves and the sons of former slave owners will be able to sit down together at the table of brotherhood. I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice. I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. I have a dream today! (...) And if America is to be a great nation, this must become true. (...) And when this happens, when we allow freedom ring, when we let it ring from every village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old Negro spiritual:


Free at last! Free at last!


Thank God Almighty,


we are free at last!"




Martin Luther King

28 Agosto de 1963


Quatro décadas mais tarde... Yes we can!


"If there is anyone out there who still doubts that America is a place where all things are possible, who still wonders if the dream of our founders is alive in our time, who still questions the power of our democracy, tonight is your answer. It's the answer told by lines that stretched around schools and churches in numbers this nation has never seen, by people who waited three hours and four hours, many for the first time in their lives, because they believed that this time must be different, that their voices could be that difference. It's the answer spoken by young and old, rich and poor, Democrat and Republican, black, white, Hispanic, Asian, Native American, gay, straight, disabled and not disabled. Americans who sent a message to the world that we have never been just a collection of individuals or a collection of red states and blue states. (...) This victory alone is not the change we seek. It is only the chance for us to make that change. And that cannot happen if we go back to the way things were."


Barack Obama

4 de Novembro de 2008


Porque acredito que aquilo que nos torna seres humanos é comum a toda a gente. A nossa origem é a mesma... mas o nosso passado nem sempre foi o mesmo. Eu, provavelmente, tenho origens judaicas (os meus apelidos assim parecem indicar) e, noutros tempos, não me permitiriam viver o meu quotidiano em liberdade... A pessoa que somos é um conjunto de vivências, valores, momentos... somos todos diferentes. A nossa forma de encarar o mundo, de viver o dia a dia, de sentir... é diferente. Mas somos todos pessoas. Seres humanos. O meu grupo de amigos contempla essa individualidade e essa multiplicidade que o mundo nos oferece e que o torna tão rico... e eu sou uma pessoa melhor, mais forte e mais completa por isso. O nosso valor NUNCA deverá ser estabelecido pela nossa côr de pele, nacionalidade ou religião. Somos como aquele presente especial que recebemos... o que o torna diferente, maravihoso e inigualável não é o embrulho que o envolve mas sim o que esse embrulho contém lá dentro.

"Tás a ver a linha do horizonte? A levitar, a evitar que o céu se desmonte. Foi seguindo essa linha que notei que o mar, na verdade é uma ponte. Atravessei e fui a outros litorais e no começo eu reparei nas diferenças. Mas com o tempo eu percebi, e cada vez percebo mais, como as vidas são iguais, muito mais do que se pensa. Mudam as caras mas todas podem ter as mesmas expressões. Mudam as línguas mas todas têm suas palavras carinhosas e os seus calões. As orações e os deuses também variam mas o alívio que eles trazem vem do mesmo lugar. Mudam os olhos e tudo que eles olham mas quando molham todos olham com o mesmo olhar. Seja onde for uma lágrima de dor tem apenas um sabor e uma única aparência. A palavra saudade só existe em português mas nunca faltam nomes se o assunto é ausência. A solidão apavora mas a nova amizade encoraja. E é por isso que a gente viaja procurando um reencontro, uma descoberta, que compense a nossa mais recente despedida. (...)"

'Tás a ver?
Gabriel O Pensador

Tuesday, November 4, 2008

O conceito de se ser atrasado mental.

Uma criança com dificuldades de aprendizagem. Uma professora empenhada em que desenvolva todas as suas capacidades.
- Ela tem razão Torey? Sou atrasada?
(...)
- Não há nada de errado contigo, Lori.
Tinha os olhos pregados no meu rosto.
- É essa a verdade e acredita nela. Nunca deixes que alguém te diga o contrário. Aconteça o que acontecer. Não há nada de errado contigo.
- Mas não sei ler.
- O Hitler sabia ler.
- Quem é o Hitler?
- Um homem verdadeiramente atrasado.
Os filhos do afecto
Torey Hayden

Os filhos do afecto - Torey Hayden

... Porque será que todas as coisas importantes são facilmente estranguladas por pequenos silêncios?
A coragem necessária para dizer o que nos vai na alma.
... O desenho do pássaro azul nunca foi afixado no nosso jornal de parede. Levei-o comigo para casa. Afixei-o sobre a minha cama para me fazer lembrar, pelo menos duas vezes por dia, da beleza num mundo imperfeito.
Há beleza em tanta coisa, em coisas pequenas, pequenos momentos da vida, que nos mostram que vale a pena olhar este mundo com verdade (e uma tremenda alegria).
... - Queria odiar-te. Queria odiar-te. Por que não me deixaste? Por que não és capaz de me deixar em paz?
Quem gosta verdadeiramente de nós, permanece, mesmo quando cometemos erros, porque consegue ver para além dos defeitos.
... As pessoas são como bolbos de jacinto. Tudo o que podemos fazer é criar um sítio bom para que as pessoas cresçam, mas cada pessoa é responsável por crescer na altura certa. Se interferirmos, só vamos criar feridas. Por melhores que sejam as nossas intenções. E por vezes o crescimento é uma coisa muito silenciosa, como os bolbos no frigorífico. Por vezes nem nos apercebemos que está a acontecer, mas isso não quer dizer que não esteja.
(...) - Vais pôr-me outra vez no frigorífico para criar mais raízes.
Todas as pessoas crescem... cada uma a seu ritmo. É por isso que as comunidades só mudam quando nos inserimos nelas e as acompanhamos nesse crescimento, lado a lado. Tentar mudar o mundo caindo de paraquedas nele e abandonando-o logo a seguir é achar que regar uma vez uma planta é suficiente para que esta viva toda uma vida. O erro que cometemos tantas e tantas vezes nas acções sociais que abraçamos.
... Tantos sons criam um silêncio.
Porque o silêncio pode ser o que ouvimos quando estamos rodeados de sons.
... Não respondi. O comportamento civilizado, creio, é mais frequentemente medido por aquilo que uma pessoa se restringe de fazer do que pelo que faz.
Porque às vezes a melhor forma de resposta é não dar qualquer resposta e a melhor arma é o desprezo.
... - Não sei porque razão as pessoas se incomodam a preocupar-se com alguma coisa. Afinal, só nos causa sofrimento. Tudo o que fizeste foi com que eu gostasse de ti e agora só desejo que nunca o tivesses feito porque não quero sentir a tua falta. Passo a merda da minha vida a sentir falta das pessoas. Nunca mais vou gostar de quem quer que seja.
(...) - Se nunca amares ninguém, nunca terás o coração despedaçado. Mas, Tom, não é para isso que os corações servem.
O homem é um animal social. Já o tenho dito muitas vezes aqui. Como tal, nascemos para sentir, amar...