Sunday, March 30, 2008

Onde estamos hoje?

Nas suas viagens, Gonçalo Cadilhe encontrou-se com Cláudia, neta de um carismático agitador sindical, filha de um exilado político antifascista. Vive fora de Portugal desde 1985. Viveu em Amsterdão e em 95, com 25 anos, mudou-se para a Universidade de L.A., onde se encontra a fazer um Doutoramento.
"Cláudia pede-me que a acompanhe nas canções portuguesas que se lembra dos seus 15 anos. «Canta-me agora tu uma canção recente». Quer qualquer coisa de protesto, um texto social, um grito de alerta. Não sei o que te cantar, Cláudia. As coisas mudaram, essas canções já não existem. Já ninguém escreve sobre os Pontos nos ii, sobre a Rosalinda, sobre Ser Solidário.
Cláudia acha que estou a brincar com ela. Foi-se embora de Portugal em 1985, em plena maturidade crítica e intervencionista dos Portugueses, no apogeu das batalhas, dos ideais, das opiniões, antes da fulminante decadência cívica, ética e moral dos anos do cavaquismo, do guterrismo, do novo-riquismo. «Estás a brincar comigo?» Não, Cláudia, não estou. A sociedade já não se interessa, não quer saber, nem sequer há políticos que a mobilizem, já não há Cunhais, Soares, Sá-Carneiros, agora é tudo igual, tudo ao centro, Cláudia, há umas ideias engraçadas de um Bloco de Esquerda, mas que não têm nada a ver com os Portugueses, sabes, são ideias demasiado avançadas ou demasiado retrógadas e, de qualquer das formas, ninguém se interessa. Já não faz falta avisar a malta, Cláudia. A malta não quer ser avisada.
Talvez daqui a 20 anos os nossos caminhos se cruzem outra vez, num outro deserto lunar da Terra. E quem sabe, Cláudia? Talvez haja de novo canções indignadas para cantar. Talvez finalmente o vento responda."
Os meus pais viveram a Revolução de 74 em pleno. O meu avô, de certo, sentia um orgulho inexplicável, de lágrima contida, cada vez que se dirigia a uma mesa de voto para exercer o seu dever e direito.
Onde estamos hoje?
Onde estão aqueles tempos de luta, de discussão de ideias, do poder da voz do povo?
Entre as cinzas daquela batalha surgem miúdas que agridem professoras que lhes exigem o telemóvel, crianças que fazem birras numa loja de telemóveis porque querem trocar o seu 5º telemóvel pelo da última geração (já não numa feira a pedir algodão doce...), pais que permitem insultos e bofetadas dos filhos, jovens sem rumo, adultos insatisfeitos com a vida mas acomodados a ela... que nada fazem, que nada dizem, que não se fazem ouvir. E velhos, abandonados, porque a família não tem tempo para os cuidar, apenas para usufruir da sua reforma.
Cabe-nos a nós lutar de novo. Como os nossos pais e avós. Como já pouca gente o faz no nosso país agora. Pelas pequenas coisas, no nosso pequeno dia-a-dia.

A alegria de não ver nada mais alto.

"Penso no fogo que arde dentro dos alpinistas, penso nessa raça de humanos que se mexe pelo estímulo mais absurdo que há: não ver nada mais alto. Penso em João Garcia, na sua determinação em viver com qualidade de vida, porque qualidade de vida não é o todo-terreno para o engarrafamento matinal cinco dias por semana, nem poupar no preço daquilo que se come para se gastar naquilo que se mostra. Qualidade de vida não são os quatro apelidos e três nomes próprios do filho varão, nem a lista de espera de dois anos para a creche, nem o T1 de luxo entricheirado no horror paisagístico que caracteriza a periferia portuguesa em geral, a Grande Lisboa em particular. Qualidade de vida não é música que bate na cabeça no sábado à noite, a amena cavaqueira com o copinho de uísque na mão, o livro que não se lê, a decisão que não se toma.
Qualidade de vida é ter um sonho e viver por ele, é fazer como o João Garcia, que é português mas de uma raça antiga que se vai diluindo sem apelo nem antídoto nas compras do hipermercado no domingo à tarde. Que bom foi ter subido a Chacaltaya para espreitar os sonhos dos outros, para saber quanto custam, quantos músculos requerem, quanta energia roubam, quanto oxigénio não dão. Agora já tenho uma ideia, muito por aproximação, da alegria de não ver nada mais alto."
(Gonçalo Cadilhe - Planisfério Pessoal)

Fingir que não vemos, negar que existe.

"A miniatura de restaurante tem um cheiro que eu conheço: é o cheiro de crianças pobres. Volta-me à memória um acampamento com os "lobitos" - as miniaturas de escuteiros. Fomos passar uma semana à Casa do Gaiato. Eu tinha nove ou dez anos, não conhecia crianças pobres e muito menos a pobreza. Não conhecia o pão castanho de centeio e muito menos sabia que, à falta de melhor, um pequeno-almoço se pode barrar com margarina Vaqueiro. Não conhecia o cheiro a mofo dos cobertores, muito menos sabia que o mofo pode ficar a pairar no ar das camaratas e nos cabelos de uma pessoa. Não sabia que um brinquedo de lata pode substituir um pai e uma mãe. Nesses dias senti-me em culpa pelo meu berço burguês, pela minha harmonia familiar, pela minha condição privilegiada num mundo de melancolia e sofrimento. Senti pela primeira vez na vida o vazio das existências inúteis e abastadas, dos caminhos já preparados, das portas já abertas."
(Gonçalo Cadilhe - Planisfério Pessoal)
Conhecer estes outros mundos, é conhecer o mundo em que vivemos. Um mundo de desigualdades sociais, de pobreza, de sofrimento e de fome. Um mundo onde apenas uma pequena parte da população não sente tudo isto na pele. Fingir que não o vemos, virar as costas a tudo isto, negar a sua existência... é fechar-mo-nos ao mundo e viver (?) numa gotícula microscópica do oceáno que nos envolve. A realidade não é tão feliz como gostaríamos que fosse. Cabe-nos percebê-lo e melhorá-la um pouco...
"Nunca duvides de que um pequeno grupo de cidadãos responsáveis e empenhados consiga mudar o mundo. De facto, é essa a única forma."

Calcorrear a Galiza.

Falando de Hernando, um cubano que participou na revolução, que foi considerado desertor... que nunca mais pôde voltar a Cuba. Que viveu nos quatro cantos do Mundo e viu muito do que este tem de melhor e pior... e que se instalou, por fim, na Gran Sabana, algures num país da América do Sul... Gonçalo Cadilhe cita as suas palavras:
"Adoro a Gran Sabana, e já não procuro outro lugar para viver. Só duas coisas me fariam sair daqui: ou Fidel cai, e então vou para Cuba; ou o clima da Galiza fica tropical, e então vou para lá."
Também Galiza é para mim um dos cantos mais deliciosos deste nosso mundinho... vou lá, no próximo fim de semana... calcorrear os lugares que me "pertenciam" há uns anos atrás, onde vivi uma infância feliz durante três anos.
(Hernando: o clima da Galiza não se irá tornar tropical... mas Fidel já não manda lá por Cuba.)

Ir mais além do nosso pequeno mundo.

"Atravesso um momento irrepetível na minha vida. Viajo sem pesos afectivos, sem pulsações em sentido inverso ao sentido da marcha, nenhuma prisão emocional a puxar-me para trás, toda a concentração orientada para esta voracidade de querer e poder agarrar a vida tal como ela se me puser pela frente. E, paradoxalmente, viajo por este turbilhão de sentimentos e eventos com uma serenidade que também nunca tinha tido antes. Como se pudesse ter quase tudo, e me sentisse satisfeito, realizado, com quase nada."
(Gonçalo Cadilhe - Planisfério Pessoal)
Porque estamos constantemente presos a algo... porque temos algo que nos prende, nos puxa... mais tarde ou mais cedo, queremos sempre voltar. É o nosso porto de abrigo. O nosso ponto de referência. Conseguir separar-nos de tudo isso não é fácil, mas tentador. Implica uma viagem, uma debilidade do elo que nos liga ao nosso mundo quotidiano. Mas não implica que ele desaparece, nunca. Ele somos nós e nós ele. Somos e sempre seremos um pouco desse mundo quotidiano. A questão é quem se atreve a ir mais além dele.

Sunday, March 23, 2008

Não é fácil de gerir a eterna procura.

Não é fácil gerir a solidão. Aquela que se apodera de nós na cama, quando aguardamos que o sono se entranhe em nós para adormecermos. Aquela que grita por nós na rua, quando passeamos por lugares que não deviam ser vistos sem alguém a nosso lado. Aquela solidão silenciosa, escondida por trás dos sorrisos e das amizades, dos bons momentos em grupo, das noitadas de conversa e dança. Aquela que só percebe, quem a sente. Aquela de quem quer olhar para o lado e sentir o olhar meigo de alguém que nos ampare a queda da cabeça no seu ombro. Aquela que nos dá a mão em longas caminhadas sem um vulto a nosso lado. Aquela que não dói, mas mói. Que nos leva a olhar à volta, à procura. Procura de uma palavra diferente, de um toque que estremece... da suavidade daquele gesto que envolve.

Não é fácil de gerir... não. Mas aguardamos. Porque um dia bate à porta, entra sem avisar... não nos diz quem é mas transforma o nosso quotidiano. E nós não dizemos que não. Sorrimos. Adaptamo-nos. Vivemos então de outra forma, com outro sentir. Mas não deixamos de ser nós, sempre à procura. Do ombro, do toque, da palavra.

Somos animais relacionais. Não fomos feitos para a solidão. Ela é um espaço, deve ser apenas um espaço onde escolhemos estar. Escolhemos. E onde, quando não queremos estar, não estamos. Não pode ser o nosso único lugar. É apenas mais um lugar.

A eterna procura do abraço. A suavidade daqueles momentos. A felicidade de partilhar.
'Cause all we need is... it!

Friday, March 21, 2008

Wounds...

"Wounds remind us that we're breakable. They give an exact GPS location of where we stand in life. And often they leave a scar forever tying us to that moment in time. You see, while perfection is what we're all aiming for, it's the scars that give us the best stories".
Anna Krien

Tuesday, March 11, 2008

De regresso à Gulbenkian.

Estou na sala de computadores. Aquela onde tantas vezes nos reunimos em trabalhos, onde tivemos as aulas de SPSS, onde devíamos ter sido mandados calar de tanto barulho que fazíamos.
Os corredores são os mesmos. A energia não. Já não é Escola, é Polo. Já não ando cá todos os dias. Tudo parece mais silencioso. Fico melancólica, inevitavelmente... sinto a falta dos tempos de estudante, do suposto stress para as frequências, dos trabalhos em grupo... Daquelas longas conversas nos sofás azuis que tornávamos os mais confortáveis do mundo. Do refeitório, de cantorias e gargalhadas. Da nossa mãe cozinheira - D. Cila. Da sala de convívio (e do pouco nada que por lá se fazia). Das salas de aula (e das secas que por vezes apanhávamos lá dentro). Da biblioteca, esse sim, lugar onde nos mandaram calar muitas vezes! :) Mas agora sente-se falta... Dizem, (e não eu!), que falta a nossa energia. Foi segunda casa, onde passávamos dias inteiros... inteiros mesmo quando ficava para os ensaios do Andamento. A AE... primeiro distante depois mais presente. Os ENEE's, não aqui, mas partindo daqui. As notas estampadas naquela vitrine... nem sempre positivas! :) Mas a vida... aquela energia fervilhante de quem tira o máximo partido do que este espaço nos podia dar, de quem o torna maior em possibilidades... e realidades. De quem não se contenta com pensá-lo como um espaço fechado entre paredes.
Vamos voltando aqui... de visita, como novos estudantes em novas fases, para matar saudades. Já não é o mesmo. Já não é nosso. Mas foi... e isso ninguém nos tira. A Escola foi nossa, o Polo nem sequer é uma realidade ainda... vejo no computador uma fila à frente a mensagem a passar de forma continuada "Polo nunca... Gulbenkian para sempre". E não consigo deixar de sorrir (lá no fundinho gosto que se sinta tudo isto assim).
Vamos voltando aqui, também tantas vezes, nos encontros, jantares, passeios... nas memórias trazidas em conversa, nos factos relatados com carinho, nas fotos que nunca deixam de mexer cá dentro.

P.S. - Passando na Praça de Espanha, já repararam no anúncio da Super Bock que lá aparece?...
Perfeito Perfeito era ter uma Gulbenkian em cada esquina!
A vocês, porque sim...

Friday, March 7, 2008

Life's just to short.

Andando descalça de problemas e preocupações por uma areia que se entranha em mim. Numa expiração exalo todo o cansaço, inalo a energia da maresia. Tocam-me os momentos inesquecíveis de todos os dias. As gargalhadas soltas porque apeteceu. A face vermelha pelos raios de sol que me inundam. O horizonte inalcançável mas desejado, sonhadora de viagens sem rumo e com todos os destinos possíveis. Sou assim. Sonho. Os dias não são todos assim. Não posso rumar ao horizonte todos os dias mas tento manter viva a chama de querer. E só isso, já me dá força. Cansada, exausta. Hoje ainda consigo ter força para o vislumbrar uma vez mais.

Revejo-me nos teus olhos brilhante sedentos de aventuras. Também eu estou sempre à espera da próxima. Mas os meus pés estão, indubitavelmente, mais assentes na terra. Ou não fosses tu quem és e como és.

Aguardo ansiosa o fim do caos de obras e trabalho, ora em casa ora no hospital, e anseio um dia na praia, no meu recanto, num dos meus recantos. Inalando energia positiva.

Life's to short, for things that don't last...
... os lugares ...
... as memórias ...
... as pessoas ...
... as culturas ...
... o que é diferente de nós ...
... o que nos torna por isso maiores ...
... isso perdura.