Nas suas viagens, Gonçalo Cadilhe encontrou-se com Cláudia, neta de um carismático agitador sindical, filha de um exilado político antifascista. Vive fora de Portugal desde 1985. Viveu em Amsterdão e em 95, com 25 anos, mudou-se para a Universidade de L.A., onde se encontra a fazer um Doutoramento.
"Cláudia pede-me que a acompanhe nas canções portuguesas que se lembra dos seus 15 anos. «Canta-me agora tu uma canção recente». Quer qualquer coisa de protesto, um texto social, um grito de alerta. Não sei o que te cantar, Cláudia. As coisas mudaram, essas canções já não existem. Já ninguém escreve sobre os Pontos nos ii, sobre a Rosalinda, sobre Ser Solidário.
Cláudia acha que estou a brincar com ela. Foi-se embora de Portugal em 1985, em plena maturidade crítica e intervencionista dos Portugueses, no apogeu das batalhas, dos ideais, das opiniões, antes da fulminante decadência cívica, ética e moral dos anos do cavaquismo, do guterrismo, do novo-riquismo. «Estás a brincar comigo?» Não, Cláudia, não estou. A sociedade já não se interessa, não quer saber, nem sequer há políticos que a mobilizem, já não há Cunhais, Soares, Sá-Carneiros, agora é tudo igual, tudo ao centro, Cláudia, há umas ideias engraçadas de um Bloco de Esquerda, mas que não têm nada a ver com os Portugueses, sabes, são ideias demasiado avançadas ou demasiado retrógadas e, de qualquer das formas, ninguém se interessa. Já não faz falta avisar a malta, Cláudia. A malta não quer ser avisada.
Talvez daqui a 20 anos os nossos caminhos se cruzem outra vez, num outro deserto lunar da Terra. E quem sabe, Cláudia? Talvez haja de novo canções indignadas para cantar. Talvez finalmente o vento responda."
Os meus pais viveram a Revolução de 74 em pleno. O meu avô, de certo, sentia um orgulho inexplicável, de lágrima contida, cada vez que se dirigia a uma mesa de voto para exercer o seu dever e direito.
Onde estamos hoje?
Onde estão aqueles tempos de luta, de discussão de ideias, do poder da voz do povo?
Entre as cinzas daquela batalha surgem miúdas que agridem professoras que lhes exigem o telemóvel, crianças que fazem birras numa loja de telemóveis porque querem trocar o seu 5º telemóvel pelo da última geração (já não numa feira a pedir algodão doce...), pais que permitem insultos e bofetadas dos filhos, jovens sem rumo, adultos insatisfeitos com a vida mas acomodados a ela... que nada fazem, que nada dizem, que não se fazem ouvir. E velhos, abandonados, porque a família não tem tempo para os cuidar, apenas para usufruir da sua reforma.
Cabe-nos a nós lutar de novo. Como os nossos pais e avós. Como já pouca gente o faz no nosso país agora. Pelas pequenas coisas, no nosso pequeno dia-a-dia.