Wednesday, January 2, 2008

"Nit nit ay garaban" - o homem é o melhor remédio do homem?

Há dias assim. Dias em que não estamos tão bem e em que parece que não há grande coisa que nos motive...
Estou de saída de vela (para quem não é enfermeiro, esta é uma expressão usada para dizer que fiz noite de ontem para hoje). O turno foi estranho. A companhia era boa, porque com a Joana eu acabo por ter longas conversas e distrair-me um pouco, mesmo quando o turno não está a decorrer como gostaria.
Começou com a frase da S. - "tenho uma má notícia... o sr. da cama 11 faleceu". Parámos. Da nossa sala de trabalho, através do vidro, conseguíamos ver o sr, deitado na sua cama. Sim, estava morto, claramente morto. Fomos lá. Estava quente. "Ainda há pouco o sr estava perfeitamente bem", dizia a minha colega. Mas estava quente. Morto, mas quente. Chamámos a médica e iniciámos manobras... (para quê?) Esperava que a chegada da médica trouxesse a decisão de parar. Parar tudo aquilo. Aquela violência. Sim... eu sei que gosto de emergência e faço formação na área... mas não, não devemos sempre, em qualquer situação, iniciar manobras. Há casos e casos. O sr já era velho, já tinha vivido a sua vida... com uma neoplasia, uma infecção respiratória e sei lá mais o quê... Sim, não se esperava que falecesse já... mas... e então? Tudo martelava cá dentro enquanto passava a meia-hora, meia-hora de actos invasivos e dolorosos, desnecessários... tudo para cumprir um protocolo. Meia-hora em que o quente deu lugar ao frio. A palidez à cianose. A pele marmoreada surgia, de baixo para cima. Senti-me ridícula. Custou-me. Acredito que isto não é dar a dignidade na morte, que qualquer pessoa merece. Aquele som, durante as compressões, que ali me ressoava na cabeça. Parti, sim, mais do que uma provavelmente. Para quê?
E depois, no final do turno, tudo feito à pressa... porque havia tanto para fazer. Sem tempo: para digerir, para estar com eles como deve ser, para respeitar o seu tempo.
A morte é o espaço e tempo mais íntimo de alguém e interferir nele, fazer parte dele, é uma experiência grandiosa. Mas nem sempre se respeitam os princípios básicos daquele momento. As vontades daquela pessoa. Nem sempre, enquanto enfermeira, consigo praticar os meus valores face a ela... e isso não é fácil de gerir. Hoje não o fiz.

"Em qualquer situação, importa que os profissionais de saúde ajam para que a morte de um doente, que lhes foi confiado, decorra com respeito pela dignidade humana que lhe é inerente." (Código Deontológico dos Enfermeiros)

Porque a morte não é apenas "a cessação irreversível de todas as funções cerebrais , incluindo o tronco cerebral" (CPEEU cit. por Serrão 1998), mas é também, e sobretudo, a "perda de fluídos vitais, a separação da alma, perda irreversível da capacidade de integração do corpo" (Lima, 2005).

"Morrer, não é como tão frequentemente supomos, um tempo absurdo, desprovido de sentido" (Hennezel, 2005)

No comments: