Dias mágicos. As viagens trazem consigo, pelo menos para mim, emoção, aventura, aquela vontade de desbravar o mundo. Foi assim que partimos para o Brasil, ansiando o encontro com outros lugares, histórias, gentes, sons e sabores.
Lençóis, terra pequena e pacata, de ruas de pedra, casas coloridas, pessoas de sorriso aberto. Uma amiga à espera, o abraço, o brilho nos olhos. Um passeio, cansativo, depois de poucas horas de sono. A pousada, acolhedora, e a noite que nos prepara para uma aventura de dois dias rumo à cachoeira do Michila. Dois dias em que o cansaço quase me derrotou e levei o meu corpo a limites a que ele já não estava acostumado. A presença, sempre tranquilizadora, de todos. A ajuda, o apoio. Ultrapassar de obstáculos e locais que valem todo o esforço. Águas que correm apressadas por uma imensidão de estruturas de pedra, plantas e árvores. Eu e a natureza. Nós e a natureza. Dormir debaixo de estrelas, de chuva, ao som da água, ao sabor da brisa. Andar, em contacto com o chão, pé e chão, apenas. Dor, dificuldade, beleza imensa. Mergulho em águas geladas, subir cachoeiras, mais caminhada. Até ao local de uma grandeza tal que apenas o silêncio o explica. Nadar, lá, faz-nos sentir tão grandes e tão pequenas. O som, as cores, a intensidade de chegar lá e mergulhar porque a natureza nos ofereceu aquele lugar. O regresso, em que nos superámos. Porque estávamos, depois de dois dias intensos, ainda assim revigorados. A noite, com altos níveis de álcool, muita música, muitas gargalhadas, travar de amizades, trocar de experiências e longas conversas. E mais um dia, de sensações profundamente marcantes. Deitar-me, no meio de uma gruta, onde a escuridão e o silêncio são totais. Deixar-me levar e absorver tudo. Ter vontade de prolongar esse instante. E a mesma experiência, dentro de água, mergulhando. Sem luz, sem som. É sentir a solidão e, ao mesmo tempo, ter a perfeita noção de que, ali, naquele instante, estamos completos. Corpo mergulhado inúmeras vezes em águas que lavam a pele e a alma. Locais que lavam a vista. Momentos que me agitam, que me provocam uma inspiração profunda e uma expiração prolongada. Momentos meus, tão meus, só meus. Em mim e comigo. Fechada, abraçada a mim, apertando-me com força. Momentos nossos, tão nossos. Nós. Eu com vocês. Aquela inundação de carinho, de amizade, da certeza de guardar estes instantes para sempre na nossa caixinha de memórias partilhadas.
Depois o local de praia, Boipeba/Moreré. Areais imensos, marés indomáveis, ventos agitados. Longos passeios, pequenas aldeias, pessoas que nos recebem de braços abertos. Muleques que jogam futebol na praia e dançam samba na praça. O peixe secando ao sol, depois do trabalho árduo dos pescadores. A moqueca de peixe, de camarão, de polvo... a lagosta. Sumos de frutas naturais, sabores intensos e frescos. As cores: do sol, das nuvens, do mar, das palmeiras, da terra de estradas esburacadas e dos poços de lama. O tractor que nos leva para a outra aldeia, um pouco maior que a nossa. Os sonos bons, relaxados, naqueles quartos maravilhosos. O duche, no final do dia, que sabe tão bem. Os bichos, que vemos e de que nos falam. A festa que não foi festa, porque "o som quebrou". A mistura de línguas e sotaques. O Inverno deles...
Salvador... cidade grande, da qual pouco acabámos por conhecer. Ruas que lembram as telenovelas, igrejas que lembram o nosso Portugal, sons que são deles e o ritmo que eles têm no corpo. Uma noite de samba puro, daquele dos bares pequenos, das pessoas que dele e nele trabalham há anos e cujas vozes e sons tocados não são igualáveis. O meu aniversário, as surpresas e o carinho. A pousada, as gargalhadas antes de adormecer. A febre das havainas e as muitas baianas espalhadas pelas ruas. O mercado e o artesanato. Contar o dinheiro. As crianças das e nas ruas. A imagem que não esquecerei. Elas, dormindo na rua à frente da pousada. Sujas, encolhidas, com restos de comida nas mãos, provavelmente de algum contentor de lixo. Olhos inchados e vermelhos, talvez sinal do consumo de substâncias que nem um adulto deveria experimentar. Essa pobreza, esse desespero. O silêncio que fizemos ao sair naquele dia da pousada. Aquela imagem que entristece, magoa, corrói. A solidão deles e o seu sofrimento. A nossa impotência, o nosso medo. A polícia, em cada rua.
Agora, o regresso. E são sempre poucas as palavras, poucas as imagens, grandes as emoções. Brasil... porque eu amo muito tudo isso.
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