Sunday, December 30, 2007

Abandonando-me nas ruínas das brincadeiras...

"- Nunca te vejo chorar, Sheila. Nunca sentes vontade? - perguntei.
- Nunca choro.
- Por que não?
- Ninguém pode magoar-me dessa maneira."

"Por fim, ela levantou o rosto.
- Às vezes sinto-me muito sozinha.
Assenti com a cabeça.
- Achas que vai parar um dia?
Voltei a esboçar um aceno de cabeça vagaroso.
- Sim, acho que sim, um dia - respondi.
Sheila suspirou, afastou-se de mim e levantou-se.
- Um dia nunca chegará, pois não?"

"- Vai-te embora - disse num tom baixo mas firme, por entre os dedos.
- Porquê? Porque estás a chorar?
Baixou as mãos e olhou-me de fugida.
- Não - respondeu. - Porque não sei o que fazer."

"Corre-se o risco de chorar quando se deixa que alguém nos cative. Acho que é normal.
Sheila premiu os lábios e limpou o resto das lágrimas do rosto.
- Ainda dói muito, não é?
- Oh, sim! Dói muito."

"- Lembra-te de que me cativaste. - Sorri. - És responsável por mim. Isso significa que talvez choremos um pouco agora. Mas dentro em breve, só nos lembraremos de como fomos felizes juntas."

A criança que não queria falar - Torey Hayden

Excertos de um livro que recomendo. Devorei-o em 2 dias. Uma criança "difícil", uma aula de malucos, uma professora cheia de força e sonhos. A crueza de uma vida real e tudo o que o amor pode fazer para abrir novos caminhos.

Termino, com aquilo que conclui também o livro. Quando o lerem, perceberão a força deste poema.

Todos os outros vieram
Tentaram fazer-me rir
Brincaram comigo
Algumas vezes para rir e outras a sério
E depois partiram
Abandonando-me nas ruínas das brincadeiras
E eu não sabia quais eram a sério
Quais eram para rir e
Vi-me sozinha com os ecos de risos
Que não eram os meus.

E depois tu chegaste
Com os teus modos estranhos
Nem sempre humanos
E fizeste-me chorar
E não pareceste importar-te que chorasse.
Disseste que as brincadeiras tinham acabado
E esperaste
Até que as minhas lágrimas se transformassem
Em alegria.

A Torey com muito «Amor»

Friday, December 28, 2007

Hei-de querer... sempre.

Quero.
Queremos tanta e tanta coisa... coisas simples, coisas menos simples, coisas deveras complicadas.
Um amanhecer, diário, de uma casa virada para o mar, com uma janela imensa onde me abeiro e fico, sentada, em êxtase... arrebatada pela cor, o cheiro de maresia, a musicalidade do ondular e desfazer das ondas contra as rochas.
Um acordar envolta num abraço apertado e um beijo de "bom dia". Preenchida por um ar respirado a dois. Aquecida por um calor que não o meu... ou apenas o meu.
Um balão, sim, um balão de ar quente que me levante para aquele tecto azul que está por cima de nós... de onde possa ver, quando me apetecer, o mundo de outra perspectiva. Quando me sentir triste por o sentir tão pequeno, tão vazio de liberdade e ingenuidade, lá encima vou perceber o contrário (?).
Uma viagem, eterna. Visitar cada recanto, cada pessoa, cada animal. Aprender mil e uma línguas. Saber falar todas elas e conhecer todas aquelas expressões especiais.
Ser enfermeira por esse mundo fora. Hoje cá, amanhá onde precisarem de mim e não ter de me preocupar com salários... porque tenho tudo o que preciso para viver, no sentido lato da palavra.
Uma festa, grande, contínua. Com os meus amigos bem perto. Vida do quotidiano, com eles.
Dança, encima do palco, para toda a gente ver. Movimentos suaves, ou não, coordenados, elegantes. Os meus movimentos e eu esvoaçando ao som de todo o tipo de música.
A mão dada e o eterno passeio. Falando de tudo e expressando tudo o que vai cá dentro. Sorrindo e chorando. Tocando levemente e de forma mais intrusiva, também.
Sol. Um ano inteiro de sol, com chuva onde ela é precisa mas não por cima de mim. Frio e calor, mas sol. E a envolvência daquela luminosidade só dele.
Reuniões de família e gargalhadas. Cheias de histórias para contar.
A minha fusão com outro. Num inesperado mas meigo encontro de duas pessoas. Sem palavras e com todas as palavras do mundo. Onde o entendimento é inato, surge espontâneo e tranquiliza pela certeza de me saber protegida e protectora.
Perceber, todos os dias ao acordar, que por cada momento triste, existem 1000 momentos de felicidade.
Quero.
Porque no verbo querer existe esperança e anseio, força para alcançar, ingenuidade para achar que é sempre possível, possibilidade de não conseguir. Eu quero.
E hei-de querer, sempre. Viver de sonhos e de momentos reais, é viver. Querer apenas o que sabemos ser totalmente possível é perder a capacidade de verdadeiramente querer ir mais além. Querer um dia voar, não é saber que vou voar, é ter a capacidade de me imaginar a fazê-lo, sem medo. Se não conseguir, imaginei. Mas quis. Baixar os braços e desistir... é contentar-me. E isso é ir existindo por este mundo fora... mas não vivendo.

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser uma ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

("Sê" - Pablo Neruda)

Eu quero... ser.
(Não queremos todos?...)

Thursday, December 27, 2007

... espaço vazio pela ausência e cheio pela memória ...

Em plena noite, 3h30 da manhã... mais uma noite no serviço. Um serviço cheio... pesado. Histórias tristes em datas que se sentem como de alegria. Pessoas que escutam uma sentença definitiva... de meses, de dias. Não irá melhorar. A dor... vai-se controlando. Moscas que voam anunciando uma possibilidade. E vão partindo. Abandonando este mundo e quem fica por cá, chorando-os. Não o corpo inerte que fica, mas a alma que vai. As vivências, os sentimentos, as rotinas do dia-a-dia. A saudade instala-se. Cria-se então essa distância, tão grande e tão pequena, entre a vida e a morte. Esse espaço vazio pela ausência e cheio pela memória.
Eu, entretanto, caminho para o home alone. Os meus pais ainda por cá andam e eu vou aproveitando os miminhos, a comida da minha mãe, os almoços e jantares na companhia deles. Mas em Janeiro regressam para terras alpinas deixando-me sozinha em casa. O meu irmão e a minha cunhada já se mudaram e eu vou sentir de novo o que é ter a casa por minha conta. Vai ser bom, sentir essa independência, ainda que relativa. Poder gerir aquele espaço sem grandes justificações para além das que dou a mim mesma. Levar quem quiser, às horas que quiser, sem ter receio de incomodar.
Hoje fiquei também feliz porque levei os meus pais "à minha prenda de Natal para eles". Ao teatro! Amanhã saberei se gostaram!
Bom, vou esticar as pernocas... daqui a nada cá estamos de novo para acordar estes senhores, de uma maneira pouco agradável, por muito meiga que seja...

Monday, December 24, 2007

O essencial é invisível aos olhos.

Dentro de poucas horas é a noite de Natal. Aqui, no Porto, no aconchego da minha família, vivo-o sempre com alegria e surpresa. Este ano a mesa foi posta para 26 pessoas... com as conversas, os abraços e os beijos trocados, viveremos o essencial... sim, o essencial... aquilo que é "invisível aos olhos"...
Longe dos amigos, sinto-os também bem perto. Em mensagens trocadas e telefonemas, estão sempre aqui ao meu lado. Vocês são também o que me torna mais feliz esta noite.
O Natal sempre foi uma data especial para mim, por ser esta imensa reunião de família que a vida de todos os dias separa fisicamente. Ao longos dos anos, com o nascimento dos meus primos, a mesa tem-se tornado cada vez maior e o calor humano sentido na noite de Natal e almoço de dia 25 é qualquer coisa que não consigo explicar.
É verdade!... alguns têm-me dito que já encontraram o Pai Natal... e vocês?... Eu estou à procura, mas algo me diz que só lá para a meia-noite, a descer pela chaminé!... estarei atenta...
Magia, surpresa, imaginação, carinho, força... inspiro tudo isto hoje. Prometo expirar depois, com força...
Feliz Natal!
Se eu voar sem saber onde vou
se eu andar sem conhecer quem sou
se eu falar e a voz soar com a amanhã
eu sei...
se eu beber dessa luz que apaga
a noite em mim
e se um dia eu disser
que já não quero estar aqui
só Deus sabe o que virá
só Deus sabe o que será
não há outro que conhece
tudo o que acontece em mim
se a tristeza é mais profunda que a dor
se este dia já não tem sabor
e no pensar que tudo isto já pensei
eu sei...
se eu beber dessa luz que apaga
a noite em mim
e se um dia eu disser
que já não quero estar aqui
na incerteza de saber
o que fazer, o que querer
mesmo sem nunca pensar
que um dia o vá expressar
não há outro que conhece
tudo o que acontece em mim
("Eu sei" - Sara Tavares)
(Não a sinto intensamente pelo seu lado religioso mas pela música e melodia maravilhosa que é... uma grande música, uma grande letra - com múltiplas interpretações -, uma grande voz)

Tuesday, December 18, 2007

... o riso do Pai Natal ...

Numa casa gelada, porque não gosto de me pôr a usar aquecedores e gastar electricidade à toa, podendo estar com a mantinha e uma roupinha mais quente. Um frio que percorre as costas (já diz a minha avó: "não sei como aguentas, andar sempre assim com os rins à mostra!") e a vontade de ir já para o aconchego do edredon e da minha almofada (porque a minha é diferente das outras, tem aquele molde da minha cabeça, aquela cova onde a minha cara se ajusta perfeitamente... e é baixinha... muitoooo baixinha... para além de ter contida nela inúmeros sonhos, desejos, lágrimas... que só ela, e mais ninguém, conhecem). O livro de poesia que estou a ler, um MP3... musiquinha... para aconchegar o corpo mas não só. E no entanto ainda aqui estou. É que escrever também tem esse efeito em mim.
Por hoje chega, no entanto. Anda dura a vida pelo serviço... muitas histórias tristes, muitas famílias em sofrimento, muitas pessoas com dor (de vários tipos - de solidão, física, da alma). O Natal, tempo de amor e alegria, ali por vezes parece pouco. Mas há sempre aqueles pequenos momentos que me lembram, quando estou mais esquecida, do porquê de ter escolhido fazer o que faço e acompanhar estas pessoas num percurso chamado "doença" pelos vários trilhos que podem seguir durante o mesmo (recuperação, voltar a casa, esperança... e também, sim, o tal sofrimento e a morte).
(espera-me também, daqui a uns dias, o Porto e o aconchego daquele "estar em família" que sabe tão bem... tenho saudades da nossa árvore, do amontoado de prendas, da alegria dos meus primos ao ouvir o riso do Pai Natal, a jantarada e a almoçarada... de ser criança, de ser "a prima mais velha". De dormir em colchonetes e dormir melhor que nunca... com a minha prima a acordar ás 7h da manhã, mesmo de férias... De ser a neta-rainha... e as outras serem só netas-princesas... :) Do colo da minha avó, mesmo que já não seja físico. Dos miminhos que o meu tio me faz, que a minha tia também... GOSTO-VOS.)

Lembrando o Dr. Vítor Cláudio e aquela maravilhosa formação...
eu não me vou cansar nunca de procurar o Pai Natal!!!

"amo-te directamente, sem problemas nem orgulho"


No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,

secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Soneto XVII - Cien sonetos de amor
Pablo Neruda

(Gostava de ouvir algo assim, de dizer algo assim, de sentir algo assim. É por isso que ao despertar este desejo em alguém, simples palavras se tornam tão importantes. Saber expressar-se assim... merece todos os elogios.)

Canciones desesperadas?...

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche esta estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

20º poema - Veinte poemas de amor y una canción desesperada
Pablo Neruda

"(...) quero fazer contigo, o que a Primavera faz com as cerejas."

"(...) e me inclino à tua boca para beijar a terra."

"(...) Eu sou o que te espera na estrelada noite,
sobre as praias áureas, sobre as douradas eras (...)"

Palavras que me surpreendem. Pablo Neruda lembra-me... Espanha, sentires, dias que passaram, dias de hoje... onde tento viver a 110%. Gosto de como transborda sentimentos num poema ou em pequenas partes dele. De como palavras suaves penetram a alma e me fazem sorrir. Ele fala de coisas simples, de forma simples. E ao mesmo tempo, poucos são os que se expressam assim.

(Obrigada Espírito, pela prenda... por saberes... por me conheceres e saberes que ia gostar.)

Friday, December 14, 2007

Afectos que cada um de nós tece.

Um dia que começou às 6h da manhã... e se foi fazendo.
Aquela formação e o seu último dia, com muita pena minha. Perceber que cuidar do outro implica primeiro sermos capazes de cuidarmos de nós. Se não estamos bem nunca poderemos conseguir que os outros fiquem um pouco melhor. (e sim, implicou uma exposição, um mostrar de mim que por vezes não é fácil, mas isso faz-nos bem à alma também. Sei que custando-te, também irias gostar J.A.).
O filme... Hotel Ruanda. A crueza e dureza do que é real e palpável e não queremos ver. Fechamos os olhos porque se torna mais fácil.
"Eles não querem saber de vocês, destas imagens... vão olhar para elas e dizer "ai, que horror" e continuarão a almoçar."
Perceber que não quero sentir "uma tal vergonha". E o aviso feito - nós que cuidamos, pensemos este filme como Darfur 2007.
Depois o lanche, numa rua calma da nossa Lisboa antiga, calcorreada por tantas outras pessoas. Hoje por nós. Um cafezinho aconchegante e uma longa conversa. Apreciei (e acrescento... muito!) Obrigada pelas horinhas de devaneios e quotidianos demasiado interessantes para serem calados pela rotina.
Chego a casa cansada, janto e adormeço no sofá.... acordo de repente e penso que me tenho de ir deitar... mas antes um saltinho para ver as novidades on-line...
O dia termina e sinto-me bem. Apenas porque sim.
"O segredo da felicidade está na gestão dos afectos que cada um de nós tece. (...) A afectividade originária é o fio sutural da dor, da mais simples sensação de mal estar ao desespero que necrosa a alma" ( Martins e Teixeira - Tecidos e Afectos em Fios Quatro-Zero)
- a ti Simba, passo a mensagem que já li o livro e não permiti que ficasse preso a mim. Passei-o. Obrigada amigo, pelos pequenos gestos. Sempre lá, mesmo não te tendo por perto tantas vezes como gostaria.

Thursday, December 13, 2007

CHOVEU!... e eu fiquei aconchegada a sentir as suas gotas percorrerem o meu corpo.

Porquê a esta hora? Porque não ir para a cama e contar amanhã ou depois? Uma energia brota cá dentro e não me permite. Tenho de partilhar. Tenho de expressar a minha imensa admiração... afinal, é tão bom não perder a capacidade de nos espantarmos, de imaginarmos...
Cabo Verde - Contos em Viagem, uma peça do Teatro Meridional, que fui hoje ver. Não sabia o que esperar mas mesmo que soubesse nunca teria tido a real noção.
Um cenário simples e tão cheio ao mesmo tempo. Uma mulher, várias, até homem e criança. De uma força, uma vida, uma capacidade imensa de ser outro alguém. Estes "alguéns" de que se fala, gentes de Cabo Verde, com os seus sons, as suas músicas. Ele, que nos dá a conhecer todos eles. Sim, apenas eles dois em palco... e tanta gente, um povo. Não consigo conter as lágrimas ao longo daquele desenrolar de histórias tão docemente unidas que parecem apenas uma. Os cheiros que não estão lá, mas o meu olfacto sente, sim. A cor daquela terra que eu vejo. A projecção de uma voz, vários tons. Ser transportada sem mais numa viagem, por um país, vários livros, uma grande aventura. Estórias de hoje e de ontem, do amanhã de lá, quando o sol nascer. A garra, visível no olhar e nas veias engurgitadas deles os dois. Como é possível ser tanto, encima de um palco... Textos cujas palavras fluem singelas. Músicas entoadas e dançadas com aquele rodopiar... Absorvo sem conseguir dizer uma palavra, uma que seja. Deixo aflorar emoções e sentir tudo. Nem tudo me dá assim tanto prazer...
Parabéns a quem põe em palavras tanta coisa. A quem põe em gestos várias vidas e uma cultura. A quem cria sons que nos transportam. A quem monta cenários que parecem reais.
Uma peça que me encheu. Subscrevo as palavras da Ritinha... "sinto-me quentinha por dentro". Saímos reconfortadas, sonhadoras.

"(...) Na travessia dessa estrada, encontrámos duas cores opostas, o preto e o branco; mas na lonjura que as separa, ou que as liga, encontrámos todas as cores possíveis que existem nos olhos, na pele e na terra."
(José Luís Peixoto)

Sunday, December 9, 2007

Sentir saudades de hoje, amanhã quando acordar.

Uma incursão por um blog que me é conhecido e aquela música da Cesária Évora fizeram-me pensar a palavra saudade. A palavra e tudo o que está por trás dela.
Sentir saudade é de certa forma sofrer. Sofrer a ausência de algo ou alguém que nos marcou ou nos marca, mas que não está mesmo ao nosso lado. É estar rodeada de muita coisa mas sentir a falta de apenas uma. É lembrar os momentos que não voltarão porque nenhum momento se repete. É esboçar um sorriso parvo num momento em que o mesmo não é esperado porque de repente temos um formigueiro a percorrer-nos o corpo ao recordar. É saber que não voltaríamos atrás, com medo de estragar o que foi, e foi tão bom, que consegue deixar-nos saudades. É pensar alguém que não pode estar tão perto quanto gostávamos e senti-la porque não há distâncias que separem um pensamento.
A minha vida foi marcada por muitas mudanças. De local de residência, de escolas, de grupos... daí saber bem o que é a saudade. Mas perceber também como ela tem algo de muito bom. Se existe, é porque aquilo que nos leva a senti-la foi importante.
Tenho saudades dos meus tempos de infância...
De Barcelos, onde corria no meio do trigo até estar completamente arranhada, rindo às gargalhadas, na companhia dos meus primos. Dos intermináveis banhos no tanque. Das refeições feitas naquela cozinha de pedra e madeira.
De Braga, onde tomava longos banhos num rio de água suave... tão suave que tinha a sensação de ter passado todo o meu corpo por amaciador. Da água que bebia directamente da fonte, gelada, mas deliciosa. De ter de ir para o rio de sandálias, por não conseguir andar de pé encima das pedras.
De Aveiro, onde passeava tantas vezes na Costa Nova e comia aquelas bolachas americanas que eram quase maiores que eu. Do meu infantário e do forte de madeira que tínhamos no pátio. De brincar aos supermercados, às "casas", aos "médicos"... de vestir aqueles enormes vestidos do baú, com os que nos tornávamos "pessoas grandes". De andar de triciclo, o meu triciclo de banco vermelho, naquele pátio ao pé de casa, com o meu pai sempre bem perto de mim.
De Avanca e das eternas brincadeiras no jardim com os meus amigos e vizinhos. As aulas que dava a um agrupamento de bonecos e os exercícios que lhes corregia. O quadro e o giz que usava para lhes ensinar o que andava a aprender na escola. O Bollycao que a minha empregada me dava no regresso da escola (e que a minha mãe não sabia!). As ameixas da árvore da minha amiga, que comíamos com prazer. As vezes que saltava o muro e ia para a igreja, sozinha, não sei bem fazer o quê... mas gostava do silêncio. As vezes que saltava o muro e ia ter com os meus amigos que saiam da catequese. A vez que fui para trás dos anexos e experimentei um cigarro e quase que ia morrendo intoxicada.
Do Porto, na infância, na adolescência, hoje e sempre. A maior parte da minha família está lá e de lá tenho sempre saudades. Dos dias de são João, passados a lançar balões e foguetes... Dos Natais, com uma mesa para 30 e tal pessoas, onde nos rimos imensamente. Da árvore rodeada de prendas (e passar do ser uma menina que acreditava no pai natal a ser uma menina que gosta que os primos mais novos continuem a acreditar). Dos momentos com o meu avô Ventura, há muito tempo atrás, e dos Sugus que ele me comprava quando íamos passear à Foz (saudades também dele...).
E a Galiza... mi Galicia del corazón. Morriña (uma espécie de saudade em galego). Saudades da simplicidade da vida lá. De Padrón e das ruelas onde passeava tantas vezes. Do mercado, cheio de peixe, fruta e legumes para vender. Da feira onde comprava roupa e os famosos "pimientos de Padrón". Da minha escola, Rosalía de Castro. Do passeio del Espolón. Das aulas privadas de espanhol, onde aprendi espanhol em 2 meses, a brincar e a cantar. Daquela minha casa, a melhor de sempre, com espaço para tudo e um jardim onde brincava sem parar. Daquele campo de ténis onde percebi que jogar com o meu pai e irmão só se for como apanha-bolas. Das árvores de onde tirávamos as maçãs para que a minha mãe fizesse a sua tarte de maçã. Dos jogos de apanhada, à noite, com os meus primos, onde um deles ficou entalado no meio de uma cama articulada. Dos intermináveis jogos de futebol com o meu tio. Das conversas com os meus pais e irmão à mesa, embaraçosas para os meus pais provavelmente, mas que eles mantinham sempre e onde resolviam as nossas dúvidas sobre "os meninos e as meninas" e as diferenças entre ambos.
Tanta coisa e muito mais... só da infância... para não falar da adolescência e dos dias de ontem... tudo trazendo tanta saudade mas também a certeza de que não tenho vivido a vida como se de um Outono se tratasse.


Quero sentir saudades de hoje, amanhã quando acordar, como sinto hoje do dia de ontem.
A saudade é a minha acumulação de momentos bons.

Monday, December 3, 2007

A beleza de tudo.

A leveza de um sopro de vento na folhagem de uma árvore. O bater das asas dos pássaros que, assustados, a abandonam (mas logo regressam... perdoam-lhe o susto e aninham-se de novo no meio dela). Os raios de sol atravessando os ramos, com aquele cintilar do orvalho da manhã. O verde, os vários tons de verde. O castanho e também os seus vários tons. Tem fruta. Não sei qual, imaginem vocês. A robustez de uma vida secular. As fortes raízes agarrando a terra (porque não há outra). Tão grandes que as vemos, no chão, rompendo a terra em rachas imensas. A sombra, num raio o triplo do tamanho da árvore. O livro que se lê debaixo dela (e encostado a ela). Os segredos que se confessam. As trocas que se guardam no silêncio dela (porque ela não conta os segredos a ninguém... e durante séculos já guardou muitos). A chuva caindo sobre ela, pingo a pingo. Aquele cheiro de folha e terra molhada. A tentativa de abraçar o seu tronco (mas não ter um abraço tão grande como o dela).
Toda a beleza de apenas uma árvore. Se pensarmos em tudo o resto que nos rodeia... como podemos não sorrir? A beleza não está no que vemos, mas na capacidade que temos para o ver com cuidado...




Friday, November 30, 2007

Love song for no one.

Um dia a minha mãe escreveu-me...

"agora és uma mulher que se descobre com surpresa, capaz de amar sem limites e exigindo do amor tudo e não apenas migalhas".


Staying home alone on a Friday
Flat on the floor looking back
On old love
Or lack thereof
After all the crushes are faded
And all my wishful thinking was wrong
I'm jaded
I hate it

I'm tired of being alone
So hurry up and get here
So tired of being alone
So hurry up and get here

Searching all my days just to find you
I'm not sure who I'm looking for
I'll know it
When I see you
Until then, I'll hide in my bedroom
Staying up all night just to write
A love song for no one

I'm tired of being alone
So hurry up and get here
So tired of being alone
So hurry up and get here

I could have met you in a sandbox
I could have passed you on the sidewalk
Could I have missed my chance
And watched you walk away?

I'm tired of being alone
So hurry up and get here
So tired of being alone
So hurry up and get here
You'll be so good
You'll be so good for me

Love song for no one - John Mayer


Aguardo o dia em que ao tropeçar com alguém desconhecido, ou conhecido, algo se passe, que não se põe em palavras, mas se sente de forma intensa. Então tudo acontecerá, por primeira vez... porque é sempre a primeira vez... e se prolongará por muito tempo.

(a quem me achou triste, ou sozinha... não se trata de nenhuma das duas coisas... é apenas a sensação de ter muito para dar... de querer partilhar...)

Tuesday, November 27, 2007

O espaço do silêncio.

O silêncio é um som ensurdecedor que não se ouve. Pode ser manifestação de amor ou de raiva. Pode querer marcar a presença ou a ausência de alguém. Pode doer no mais profundo da nossa alma ou enchê-la de energia positiva.
Já experimentei vários tipos de silêncio.
Aquele que corrói, discurso calado de quem não é capaz de falar abertamente dos problemas e degrada uma relação aos poucos... muito devagarinho.
Aquele que nos completa, acompanhado do brilho nos olhos e de um beijo, de um abraço apertado e da leveza de dois corpos entrelaçados, onde as palavras emanam num som imperceptível para qualquer outra pessoa.
O silêncio do medo, medo de expressar os anseios perante a doença e a morte do próprio ou de alguém próximo.
Também aquele silêncio, grito calado de quem precisa de ajuda, acompanhado de um apertar do braço, com força, como que se agarrando ao agora.
Aquele da solidão. Solidão de um quarto, de um pensamento, da pessoa que sou. A solidão física... a solidão acompanhada. Sou eu que ali estou. E não há nada mais à minha volta.
O silêncio da natureza. No meio dos Alpes, no meio do oceano, numa praia ao luar onde o silêncio das ondas me acompanha.
O silêncio de quem gostamos ou de quem gostávamos que não nos desse esse silêncio, ausência de discurso falado e sentido.
E aquele... no meio da conversa, onde não fica mais nada para dizer.
O silêncio é uma linguagem. Estrangeira... muitas vezes. Não facilmente decifrável. Ecoa muitas vezes nas esquinas da nossa vida, obtendo de nós a vontade de o sentir ou o evitar.
Mas o silêncio é também língua universal. Espaço de reflexão. Canto de evasão e sonho. Lugar de fuga à tristeza ou poço de lágrimas sussurradas.
Agradável ou não, o silêncio é um espaço essencial. E é muitas vezes nele que nos descobrimos e descobrimos os outros.
Fico com o silêncio do meu sentir...

Wednesday, November 21, 2007

O mundo só pode estar louco.

Regressei outro dia, enquanto via o telejornal, aos anos 70 (anos esses em que nem sequer vivi!). O motivo prende-se com a notícia de que um empregado de um hotel terá sido despedido por ter VIH. Como se não bastasse o médico que o atendeu foi quem, quebrando o princípio de confidencialidade, denunciou esta situação (de uma ameaça pública de contornos gigantescos e não mensuráveis, como é alguém suar e poder tocar no prato onde depois iremos comer!!!). Terrível mesmo. Tenham medo!!! Para manter tudo ainda mais incontestável o sr. dr. Juiz, deu razão à entidade empregadora... pois claro! Não fosse o suor, as lágrimas ou o toque do sr fazerem com que todos apanhássemos SIDA... Tendo em conta todos estes factos de uma verdade inquestionável e cientificamente estudados ao longo dos anos tenho um anúncio a fazer... descobri, ao ver esta notícia, que também eu sou portadora de VIH. As análises dizem que não, mas eu estou em contacto todos os dias com esse suor, essas lágrimas, esse O2 expirado por essas pessoas... só posso, concerteza, estar também doente.
POR AMOR DE DEUS! Mas será que regredimos assim tanto, novamente, relativamente a esta questão?... Ou será que o que nunca fizemos foi avançar?
Entre isto e ter médicos a dizer que não é necessário pedir autorização para colher sangue para serologias para VIH a um determinado doente porque "por amor de Deus sra Enfermeira... o sr é da construção civil, pobre de espírito"... Dá vontade de baixar os braços. Mas esta é uma área que desde que percorro estes trilhos da Enfermagem me interessa... por isso não o vou fazer.
Quanto aos donos do hotel, ao médico e ao sr. dr. Juiz, existem uns folhetos, do mais básico que há, que explicam tudo aquilo que têm vindo, erradamente, a afirmar ao longo deste processo... aquela típica frase de "a SIDA não se transmite através das lágrimas, suor, abraços e beijos"...
e não é que é verdade meus senhores?!?

Sunday, November 18, 2007

"Momentos"

Um texto escrito há muito tempo. Trago-o para aqui porque considero que é um dos textos mais bonitos que já escrevi (e eu raramente consigo apreciar os meus textos, pelo menos, da maneira como os outros o fazem...). Trago-o também porque agora é apenas um texto. Foi uma mensagem, um sentimento (ou muitos), uma grande amálgama de memórias. É agora um texto de que gosto. Apenas isso. E por isso quis deixá-lo aqui. Para partilhá-lo. Fica apenas o desejo de sentir isto de novo. Já tenho saudades... (e lembro aquele dia em que um grupo de teatro o interpretou e então, me levou às lágrimas. Obrigada por isso Andamento.)


Fico a olhar a rua sem luz,
luz já apagada e penumbra…
O desespero de não saber quem sou,
de procurar quem fui num qualquer lugar.

Praia deserta iluminada apenas por nós,
corpos fundidos e entrelaçados,
que se perdem entre grãos de areia que se colam,
não saem e permanecem.

Mar, cujo fim é inatingível com o olhar,
onde reflectido se encontra um sol pronto a fugir,
só para nos deixar a sós…
Juntos, permanecemos naquele lugar para sempre,
como rochas que se fundem a tantas outras rochas,
formando uma falésia onde esbatem as ondas,
onde o vento uiva para quem quiser ouvir…

Uns anos mais tarde alguém regressará àquele lugar,
olhará aquelas rochas,
verá que não são como todas as outras…
mas só nós sabemos o que escondem,
o que as torna especiais.

E um lugar, perdido no meio de árvores,
escondendo um sonho, magia, alento,
um tesouro para sempre teu, meu, nosso,
onde não se percebe onde termina o mar e onde começa o céu,
onde tudo se funde,
onde fomos duas almas procurando um rumo comum,
onde tudo é sonho e tudo é possível,
onde os “nossos amigos” nos observam melhor,
sempre atentos aos nossos gestos calados,
conversa de quem não precisa de palavras,
apenas a linguagem do brilho e da transparência,
da sinceridade do nosso olhar.

Uma noite algures, um dia,
em que o mundo era nosso e estava ali…
O medo de algo vislumbrado mas não vivido,
perdida num turbilhão de sensações…
Um mergulho às profundezas onde a minha luz eras tu,
guiaste-me, singelo e cauteloso,
até onde um peixe de cara redonda,
colorido como um jardim repleto de flores,
me sorriu…
Fiquei calma, presa a uma paz nunca antes sentida…
Enrolada e protegida adormeci,
sonhadora incrédula de um sonho acabado de viver.

Um jardim repleto de verde onde trocámos palavras,
onde nos confundimos com o que nos rodeava,
e nos esquecemos que não estamos sós,
que existe algo que nos rodeia,
que aquilo, ali, não era eterno.

Entre respirações inexplicavelmente aceleradas,
coração que bate, agitado, sentindo-se encarcerado,
liberdade solta na voz…

Uma única corda nos unia,
certeza de que, apesar de longa, a corda estava sempre lá,
para não nos perdermos por caminhos raros e sombrios,
onde nos sentíssemos abandonados…
Cordas que se rompem ou são (porquê?) demasiado longas,
o desejo de que estejamos tão próximos que não haja espaço para a corda,
sejamos então um único pedaço de rocha,
um castelo de areia sólido,
uma bolha, redoma de vidro, no meio do oceano,
uma estrela cadente realizando, tão somente, os nossos desejos…

Prazer que é loucura,
ou sermos guiados pela loucura do prazer,
mais fortes, mais simples, mais nós,
cada um em si,
ambos juntos.

Quero ser sempre a tua lua,
provocar em ti as marés que te façam viver,
ser um espectro de luzes aberrantes,
para onde só tu olhas, apreciando o que vês.
Cores que não combinam,
unes com inexplicável prazer.

Ver-te no espelho abraçado a mim,
sorrindo sabendo que somos nós, juntos.

Não te encontro,
não te voltei a encontrar a olhar para o espelho,
olhando para mim,
vislumbrando-me no meio de tantas outras coisas projectadas nele.

Um quarto de uma qualquer casa (ou não),
onde, naquele dia, ninguém fugiu,
e simplesmente não conseguimos dizer não…

Presente: só.
Esqueço-me, lembro-me de tudo…
Agarro algo que me puxa
e deixo-me ir…
levar-me-á junto a ti?

Continuo só,
contigo entranhado em mim,
sufocando e dando o ar que respiro,
batendo e beijando,
sendo especial…

tu…

eu…

nós, num qualquer lugar...

mas nós.


(Escrito algures em 2003...)

Mais e mais!...

Gosto de pensar que hoje estou um pouco mais preparada para ajudar.
Gosto de sentir que não quero parar. Quero mais, mais e mais informação, formação, métodos para pensar mais rápido, perceber o que se passa à minha volta, entender o que se passa comigo... sim, também se trata de perceber os meus limites como pessoa e limitações como profissional de saúde (que são infindáveis!).
Terminei hoje o curso do GTE (Grupo de Trauma e Emergência) de CETC (Curso de Emergência, Trauma e Catástrofe) de 4 dias em Faro. 4 dias esgotantes, que me deixaram exausta. 4 dias em que me senti pequenina e me vi crescer um pouquinho mais... mas continuar pequenina. E gosto dessa sensação. É a que me fará nunca parar de querer mais e mais formação.
Adorei! Situações ficcionadas que pareciam reais. Lama, água, vítimas, lesões... a impotência de não saber o que fazer em algumas situações. As respostas, que surgem quando me questiono e repenso, quando me dão as ferramentas para o fazer.
Não aconteceu em Portugal, mas poderia acontecer... se tivermos ajudado a salvar uma vida, valeu a pena. O lema... que abraçámos ao longo do curso, com afinco, apesar do cansaço... quase esgotamento. Médicos, enfermeiros e tripulantes, na partilha de experiências. Ali, ninguém sabe mais que o outro. Porque todos trabalhamos para o mesmo.

Quero absorver tudo à minha volta...

Friday, November 9, 2007

Quase.

"Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo o que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem, até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência... porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Prós erros há perdão; prós fracassos, chance; prós amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."

Luiz Fernando Veríssimo - Quase


"- Ama-la?
- Não sei.
- Então não a amas."

Sem ventos não há sonhos e sem sonhos não há ventos que nos levem ao fundo desses sonhos.

" (...) Nem sempre quando falamos expressamos o que sentimos, ou pelo menos, a intensidade com que o sentimos. Somos traídos por palavras deslocadas ou mesmo pelo medo de expormos até ao fim as dúvidas, os receios. Somos traídos pela expressão dos olhares que nos enfrentam porque magoam ou sofrem. Quando falamos, jogamos com os sentimentos dos nossos interlocutores. Estamos ali fragilizados pela dor que pressentimos ou que nos infringem. Quando escrevemos somos nós. O nosso sentimento profundo transparece na força das palavras. (...) É isso que vejo em ti. A força de um furacão que se amansa perto da praia para de novo se enfrentar contra as dunas e logo voltar a amainar. És tu própria vento à procura de outros ventos. O vento é algo de misterioso. Dependendo de como e de onde, música ou lamento, força que nos leva, canção de embalar ou choro intenso, chicote que nos corta e rompe a alma. Na vida, nem ao sabor do vento nem contra ele. Mas sem ventos não há sonhos e sem sonhos não há ventos que nos levem ao fundo desses sonhos. Procura o teu vento favorável mas não desistas dos sonhos. Acredita que voar é possível (...)"

Porque está no sangue o gosto de pôr em palavras o que nos vai na alma. Aqui fica um pedacinho de um texto que a minha mãe me escreveu um dia, há já muitos anos atrás. Um dia em que estava muito muito triste, e achava que voar já não era possível. Grande mentira! Percebi em pouco tempo isso! Chorei o que tinha a chorar e passou.

Madrid, 11 de Março de 2004

Recupero este texto porque não devemos esquecer. Tive amigos que nesse dia, por acaso, não apanharam o comboio que passava pela Atocha... por acaso. Mas podiam ter apanhado. E eles não, mas outros apanharam. Por eles, por esta loucura que reina este mundo, porque nada disto faz sentido... reponho este texto.


"Um dia coberto de negro porque alguém se lembrou de gritar alto, muito alto. Lágrimas que escorrem pelas faces de quem ficou surdo com o grito. Basta! Ouve-se em todo o lado, um pedido desesperado. Caos, fumo, destruição. “Hoy somos todos madrileños”. A dor é única e é universal. Suspiros intensos, roucos tormentos. A morte. Encontra sempre alguém no seu caminho. “O balanço são 200 mortos e 40 milhões de feridos”. E um país inteiro que chora a perda. Sensação de injustiça, de guerras que se travam sem razão. Desolação. Em nome de algo superior. Luta-se. Mata-se. E a vingança recai sobre aqueles que não sabem que uma bala é feita de chumbo, que uma bomba explode. Não conseguimos destruir o chumbo. Quando há uma explosão apenas conseguimos apagar o fogo. A vingança recai sobre aqueles que não compreendem que existem mentalidades feitas de chumbo que despoletam tremendas explosões. Respira-se receio. Anseia-se pela normalidade que não existe. Espera-se que o fumo levante para encontrar, depois, corpos estendidos. Inertes. Frios. Procura-se a identidade perdida. Bandeiras a meia haste. Pessoas cobertas de luto. Procissão de caixões… um atrás do outro, atrás do outro, atrás do outro… Cartazes brancos com apelos ensurdecidos pelo silêncio. Imagens incessantes na televisão. Listas de nomes ou de pessoas reduzidas a tal. Ou a cinzas. E a certeza que o mundo está louco. Um mar de gente que o sabe. Transparece no olhar dos que, já fartos desta loucura, se sentem presos a ela. Condolências. Preto por todo o lado. O branco que invade as ruas. Declarações sentidas. Angústia. Funerais. Protestos. Manifestações. E no entanto o fumo ainda não desapareceu, a destruição ainda é visível, a dor ainda se sente, o medo ainda existe. E tudo se calará de novo, quando alguém gritar, outra vez, alto, muito alto.

(Em memória de todos aqueles que não compreendem a loucura mas que vivem no meio dela. De todos aqueles que não percebem o chumbo ou as explosões. De todos aqueles que perderam a identidade, o sorriso, a vida. E para recordar a todos aqueles amigos que não apanharam aquele comboio naquele dia porque havia greve, que todos os segundos que temos para viver, são os melhores da nossa vida.)"

(13/03/04)

Wednesday, November 7, 2007

Unchained Melody

Oh my love, my darling
I've hungered for your touch
A long lonely time
Time goes by so slowly
and time can do so much
Are you still mine?
I need your love
I need your love
God speed your love to me

Lonely rivers flow to the sea
To the sea
To the open arms of the sea
yeah
Lonely rivers sigh "Wait for me"
Wait for me
I'll be coming home
Wait for me

Oh my love, my darling
I've hungered,
Hungered for your touch
A long lonely time
And time goes by so slowly
And time can do so much
Are you still mine
I need your love, I,
I need your love
God speed your love to me

(Unchained Melody - Righteous Brothers)

Porque há músicas que bem interpretadas nos arrepiam. A música é lindíssima, mas talvez não lhe daria este destaque hoje se no fim de semana passado não tivesse visto aquela magnífica actuação na Operação Triunfo (quem me conhece minimamente sabe que eu vejo o programa e adoro!!!)... E sim, por coincidência ou talvez não, uma das pessoas que a interpretou é o Ricardo, colega de Faculdade, também ele Enfermeiro, por quem desde o início estou a torcer. Não podia deixar de dizer que foi MAGNÍFICO. E que me arrepio cada vez que a oiço. Obrigada por este momento, e por todos os outros que tens partilhado connosco desde o início do programa.





Saturday, November 3, 2007

Pequenos grandes (enormes mesmo!) momentos.

Acabei de chegar de um jantar maravilhoso. Comemorava-se os anos da Espírito (beijo para ti) e lá nos juntámos para celebrar.
Devia ir para a cama, isso sim, porque é uma da manhã e amanhã lá vou eu para o meu serviço (novamente) fazer manhã. Mas não pude deixar de vir aqui. De partilhar a minha alegria por estes momentos, "os tais pequenos (grandes) momentos", que são tudo. Confesso-vos que vivi uma adolescência algo contida, em que não me pronunciava muito, me continha no meu riso e na minha gargalhada, observava muito mas nem por isso expressava grandemente a minha opinião. Não tinha a capacidade de mudar de imagem facilmente e não confiava muito em mim. A faculdade trouxe-me muita coisa, e nesse âmbito uma grande mudança. Já pouco reconheço dessa parte de mim. Mantenho uma timidez característica, sobretudo em algumas situações (dificilmente evito o "nó no estômago" ou aquele acto maravilhoso que é corar sem controlo em determinados momentos). Mas encontrei um grupo de amigos (não que não tenha amizades da minha adolescência assim, mas não formam um grupo tão grande e tão coeso, são mais pessoas dispersas que estão sempre comigo) que me aceitam, e aceitam-se uns aos outros, tal e como somos. E olha que somos todos muito diferentes!!! Gosto de vocês. Da casa com 22 metros quadrados... do terraço com o mesmo tamanho... de que ainda só tenhas "instrumentado hérnias e varizes, coisas simples"... do "take it easyyyyyyyyyyy"... de NÓS.
Tudo para dizer que soltei tantas das minhas gargalhadas (também essas características... que não consigo conter!) que me dói o estômago e os músculos da face. Que venho bem-disposta. Cheia. Feliz. E tudo por umas horinhas, sentados à volta de uma mesa, entre perfumes, ideias malucas, pastas (e lasanhas!!!)... e um restaurante que, para nossa vergonha, deixamos num pequeno caos (mas isso agora não interessa nada).
Soube bem. E agora sim, acho que já posso ir dormir...

Friday, November 2, 2007

3:25 da manhã...

Uma noite mais... nestes corredores, neste office de luz ténue, neste serviço.
Hoje escrevo rápido, para lembrar apenas aquele anúncio...
MUDASTIIII MUDASTIIIII!!! :)
E porque não? Porque os sonhos não são só para se ter de noite.

Monday, October 29, 2007

Porque tenho medo de te dizer quem sou?

Tenho de expressar o meu choque. Não sei se conhecem uma série que dá na Fox Life, chamada, salvo erro, "Nip Tuck". Não a costumo ver muito. Acho-a violenta, agressiva. Não, não se vê agressão física nem pessoas a esfaquear outras. É outro tipo de violência. Aborda a temática do corpo e das cirurgias plásticas de uma forma muito forte e a frieza que transborda dos "cirurgiões" é tremenda. O corpo é visto como um pedaço de carne que retalham, mexem e moldam, sem qualquer cuidado pela parte menos física da pessoa que têm à frente.
Mas passemos ao que me levou a escrever este post. No meu zapping calhei no canal onde percebi qual a série que estava a dar. Por não haver nada mais interessante deixei ficar, como se estivesse a dar uma "segunda oportunidade" à série. Passados uns minutos um diálogo chamou-me à atenção (eu que estava embrenhada na minha leitura...). "Put the bag in your head". Não percebi. Perante a perplexidade da mulher, ele reitera "vá lá, quantas vezes é que poderás ter relações com um homem como eu? E eu não o farei se não tapares essa cara." Fiquei estática. Perplexa. Chocada (acho que já usei muitas vezes este termo hoje). Eu sei, eu sei que é uma série, mas também sei que as séries não diferem tanto assim da realidade, que estas coisas acontecem. Perguntam-se que terá ela feito. Colocou o saco. O resto penso que não terei de relatar grandemente. Termina com o retirar do saco e a saída dela de casa. Frio, calculista, cruel. Mas pior... ela regressa ao escritório dele, com o saco e o seu número de telefone escrito no mesmo. Entre outras coisas diz que não se tem que preocupar com o facto de se o agrada ou não, porque nunca o irá conseguir, portanto isso é, já por si só, muito bom e que sempre que ele quiser, poderá ligar-lhe.
Poderá parecer um pouco ridículo falar disto assim aqui. Mais ridícula ainda a minha perplexidade. Não sei. Mas já o tenho dito muitas vezes, acho que hoje em dia sofre-se de (entre outros muitos problemas) uma falta de auto-estima e amor próprio muito grande. Vive-se para responder a certos padrões e agradar aos outros. Estabelecem-se muitas vezes relações pelos motivos errados, ou porque não se quer ficar sozinho (a solidão apavora de uma forma totalmente não racional), ou "porque toda a gente tem alguém e eu não posso ser a única a não ter", porque aquela pessoa é popular e bonita (e portanto namorar com ela fará com que aos olhos dos outros também eu seja popular e bonita).... sei lá. Porque não é normal chegar a determinada idade sem ter estado com alguém. Agora encontrar a pessoa que somos e compreender que uma relação verdadeira a todos os níveis só acontece quando nos aceitamos como somos e aceitamos a outra pessoa como ela é, sem mais... parece que anda difícil. Não sei. Olho à minha volta e vejo o pessoal mais novo (e sim, também da minha geração) dedicar anos infindáveis da sua vida a uma relação obsessiva, onde com 20 anos aceitam ser controlados até ao mais ínfimo pormenor do seu quotidiano, com cenas de ciúme extremo (o ciúme, quando controlado é normal e até saudável, mas quando não se compreende a barreira entre o que é ciúme e o que é desconfiança, falta de auto-estima... torna tudo mais complicado), onde se afastam dos seus amigos e daquele dia-a-dia que sempre foi o seu, sem retorno.
Que divagação, meu deus! Mas é que reflicto muito sobre estas coisas porque me preocupam e falo muito disto com uma série de pessoas. Como monitora de colónia de férias tive também um contacto diferente com adolescentes e vi, percebi, senti... tudo isto.
O saco, aquele saco, é a representação extrema destas situações, onde tudo parece aceitável, só para não nos afastarmos de um determinado padrão.
Não se enganem, claro que também eu quero uma relação. Muito. Mas baseada nos pilares que para mim sempre foram fundamentais. Carinho, respeito, confiança. Não quero cá que desconfiem quando recebo uma sms, quando abro o meu mail, quando atendo um telefonema. Não faz sentido. Nada disso me faz sentido. Nunca fez.
Já alguém disse que a sociedade de hoje encontra-se a sofrer uma crise de valores. Concordo.
Acho que na maioria das situações é o medo terrível de mostrarmos quem somos. É isso que nos condiciona. Porque "dizer-lhe os meus pensamentos é localizar-me numa categoria. Dizer-lhe os meus sentimentos é falar-lhe sobre mim" (J.Powell). Não é fácil. Mas vamos tentar fazê-lo, até porque não há nada mais delicioso do que em silêncio, sermos escutadas e entendidas por alguém. Essas são as verdadeiras amizades, relações... as que escutam o silêncio, as que percebem um olhar, as que dizem tudo com a força de um abraço e a leveza de um pequeno beijo.
Quando aceitamos colocar o saco, mesmo que não haja realmente um saco mas uma forma metafórica do mesmo, não somos ninguém. Perdemo-nos da nossa identidade, da nossa pessoa, do que somos desde o momento em que nascemos e que fomos construindo ao longo da nossa vida. Se deixamos de ser, não existimos. E não viemos para este mundo para não existir.
"se te exponho a minha nudez como pessoa,
não me faças sentir vergonha"
(J.Powell)

Sunday, October 28, 2007

É o confronto com o outrem, que nós somos.

Estou aqui, sentada no "office" do corredor do meu serviço. São quase 4 da manhã. Na porta à minha frente o quarto do sr. A. (e não só). Fala, fala, fala... não percebo sobre o quê. Está a dormir, mas tal como nos momentos em que está acordado, fala. Isso e o ressonar de outros tantos doentes, em conjunto com o meu teclar, constituem os únicos sons audíveis neste momento neste espaço.
Fomos à pouco "dar a volta", expressão usada na gíria de Enfermagem para expressarmos o acto de ver se tudo está bem com todos, mudar a posição daqueles que sozinhos não o conseguem fazer... dar o aconchego nocturno para que possam continuar a ter um sono descansado. De lanterna na mão, lá andamos (às vezes questiono-me como reagiria se acordasse e visse uma sombra a andar no meu quarto de lanterna na mão... não ia ser bonito.). Nesse bocadinho, a tal "volta", vemos um pouco de tudo. Olhos imensamente abertos que nos descobrem no meio da escuridão, daquelas pessoas que já em casa dormiam pouco e aqui, em ambiente estranho, não dormem mesmo nada de noite. Aqueles outros olhos bem fechados, de quem dorme profundamente. Aqueles que parecem dormir, tal como o sr. J. mas que, sem abrir os olhos, lá conseguem dizer "dê-me algo para comer" (o sr. J. tem um "grave" problema... a fome constante!). O sr. que não respira tão bem assim, e que sim, a esta hora, necessita que um tubinho o ajude a tirar tudo cá para fora (que descanso...). Acochegamos, tapamos, envolvemos nas mantas e cobertores. E lá ficam. Preparados para a outra metade da noite. Para daqui a umas 2h30 serem acordados com avaliação de TA, temperatura, comprimidos para tomar... (que péssimo acordar!!!).
Pensando da perspectiva deles... passar uma noite aqui não deve ser nada fácil. Quanto a mim... tirando o transtorno no meu ciclo circadiano (que já não deve existir por aí além) e no meu cerebrozinho já por si só um pouco "frito", fazer noite, quando é calma como a de hoje, permite viver "aqueles tais pequenos momentos" de que um caro leitor falou. Não fosse hoje o sr E., de quem falei no post anterior, me ter dito, quando me dirigi a ele para lhe pedir que me acompanhasse até ao seu quarto para lhe poder ver os parâmetros vitais (e depois de me chegar mais perto dele porque ele não estava a ouvir o que eu lhe dizia), com um sorriso e olhos rasgados, "você tem uns olhos tão bonitos"... :) (recordo que tem uma doença psiquiátrica e que não faz este tipo de comentários com maldade nenhuma).
E gosto, gosto de chegar depois de 3 dias sem cá vir, e dar uma grande "boa noite" aos doentes, com a qual eles se riem... passando logo eu a explicar "é que já não o via há tanto tempo, que isto tem de ser dito com energia!".
Sim, somos enfermeiros que damos muito aos outros mas também recebemos, muito. Ainda mais quando as condições assim o permitem. Quando há tempo para ter tempo. Para estar. Para descobrir algo mais da vida das pessoas que estão ali connosco. Como um professor me disse uma vez "não é ser curiosos, é ser interessados, é mostrar áquela pessoa, que ela tem um valor maior para nós, que o de um simples doente a quem damos comprimidos". E sim, exercemos Enfermagem, para os outros, mas sobretudo, com os outros.
É como ter um espelho,
onde vemos muitos possíveis momentos da nossa vida.
É o confronto com o outrem,
que nós somos.

Thursday, October 25, 2007

Conclusões que me tornam mais feliz.

Sabem aqueles dias em que se sentem bem? Não sabem porquê, o que despoletou essa calma, essa tranquilidade, essa alegria e esse bem-estar. Mas sentem-se bem. Hoje é um dia desses.
Trabalhei de manhã, num daqueles turnos em que sentes que realmente estiveste lá, fizeste tudo, estiveste com as pessoas... pudeste estar com elas no espaço e tempo que elas precisavam. Sem pressas. Às vezes sabe bem. Nem tudo têm de ser doentes descompensados, correrias e emergências, por muito que esse lado também me fascine.
Foi ver o brilhozinho nos olhos do E., por saber que lhe iriam encerrar a colostomia... perceber também algum receio nesse mesmo olhar. E saber que se tudo correr bem, ele voltará para o seu país, para junto dos pais... finalmente... depois de tanta coisa.
É o sr. E, que dentro daquela patologia psiquiátrica que o envolve, o absorve num mundo que é o dele e que nem sempre compreendemos, deambulando pelo serviço às vezes meio perdido, sozinho, desamparado... tem momentos de estar cá, tão cá que me leva a rir imensamente. Hoje peguei-lhe no braço e disse-lhe "vamos lá até ao quarto para buscar a sua garrafa de água para tomar o comprimido". E lá fomos. Enfermeira e doente. Duas pessoas... apenas. De braço dado pelo corredor do serviço. Como que passeando. Conversando. Eu sempre a rir-me. Ele com as divagações dele. Até que começa a entoar a música do casamento... Sorri. Aquele gesto, de braço dado. Ele associou a um momento importante da vida dele. Disse-me nunca ter casado, mas ter vivido mais de metade da sua vida com a mulher que mais o completava. Não precisava de ter casado. Estavam-no em espírito, em vida, na partilha de momentos. É preciso mais?

"Uma incongruência nos fazia invejados.

Sermos um inusitado casal de namorados já com netos."
(José Craveirinha)

Ia dizer mais, mas acho que termina o post assim de uma forma bonita... não vou estragar :) A velhice não tem de ser só morte, dor, sofrimento. É bom saber isso.




Monday, October 22, 2007

O meu dia de hoje.

Uma chamada rápida, porque estavas quase a ir embora. Assim não havia hipótese de divagar demais. "Porque são as únicas, pelo menos por agora". Eu distante, seca. Por um lado foi bom, sim, sobretudo porque percebi que não mexeu cá dentro. "Agradecer por muita coisa". Não respondo. Vai ser bom para ti.
No meio de tudo isto, a loucura de achar que tenho tempo para tudo... e não é que nesta escala estou metida em 3 formações diferentes?... Vai ser lindo! Mas são todas fixolas... como diriam os putos.
Hoje a conversa com as minha colegas de serviço. O apoio. As minhas dúvidas e incertezas. A força. E depois o turno em que me ri tanto, mesmo quando mais apetecia chorar... Sim, porque levantes como os que fizemos hoje não dão muita vontade de rir, mas com algumas pessoas, tudo parece ter um lado bem humorado! Assim dá gosto! :)
Um dia deito-me às 22h na minha caminha... HOJE É O DIA! :) Tou exausta...

Sunday, October 21, 2007

Hoje é o dia.

Depois de mais uma manhã de trabalho e de uma tarde maravilhosa na companhia de pessoas que me fazem bem, chego a casa cansada, com fome e pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo.
Vejo as pessoas à minha volta a comprar casa (a casinha da Mara e do Luis é fabulosa!), vejo-as estabelecerem relações com perspectiva de andar para a frente, durante muito tempo... vejo-as. E olho para mim. 1001 projectos, 1001 coisas para fazer... mas sempre sedenta por mais... mais cursos, mais saídas, mais viagens, mais aventura... mais... (coisas que mexem cá dentro e de que não me apetece falar agora aqui).
Sinto também que algo falhou e que se desperdiçou algo importante. E hoje não sei bem lidar com isso. Sei demais. Adopto a postura de "não me interessa nada" mas no fundo questiono-me, interrogo-me, divago. E não é assim tão fácil. Apenas porque se calhar já tinha percebido mas não queria acreditar que fosse verdade, ou pior, porque talvez ainda agora não acredito que seja verdade.
Assim vai a vida... E lembrando alguns pacotes de açúcar maravilhosos que por aí andam (grande ideia Nicola! - o meu pai mata-me! EU a fazer publicidade a um café que não é Nestlé!!! Mas pronto... não bebam o café, fiquem só com os pacotes de açúcar...)...

"Um dia faço uma tatuagem...
Um dia ponho a mochila às costas e vou ver o mundo...
Um dia dou-te um beijo a meio de uma frase...
Um dia largamos tudo e fugimos os dois...
Um dia dançamos juntos no meio da rua...
Um dia juntamos as escovas de dentes...
HOJE É O DIA"
(o dia é quando quisermos,
mas têm mesmo de haver
dias assim na vida...
pelo menos na minha...
dias que são OS dias!)

Monday, October 15, 2007

É bonita, é bonita e é bonita!

"Viver...
E não ter a vergonha de ser feliz.
Cantar...
E cantar, e cantar...
A beleza de ser um eterno aprendiz...
Ai meu Deus!
Eu sei...
Que a vida devia ser bem melhor e será...
Mas isso não impede que eu repita...
É bonita, é bonita e é bonita!"

(Gonzaguinha - Viver e não ter a vergonha de ser feliz)

À Pipa, por me mostrar a música :)
A mim, e a quem me rodeia, por ter alcançado a capacidade de acreditar nestas palavras, até nos momentos mais difíceis, mais tristes, mais duros da vida. Na solidão ou nos dias em que estamos rodeados de gente de quem gostamos... "fico com a pureza da resposta das crianças... é a vida, é bonita e é bonita"...

Sunday, October 7, 2007

Quando as palavras não chegam para exprimir o que me vai na alma.


" (...) Don't you think you've done enough
Oh, don't you think you've got enough, well maybe…
You don't think there's time to stop... stop.
There's time enough for you to lay your head down,
Tonight
Tonight
Let it wash away
All those yesterdays (...)"

Saturday, October 6, 2007

Dia Mundial dos Cuidados Paliativos

A morte. Sim, essa palavra dura, que corrói, que custa a dizer. Esse momento inevitável na vida, o único verdadeiramente inevitável. Esse tema ainda tabu. E tudo o que podemos fazer para tornar esse processo, esse processo de morrer... mais calmo, mais acompanhado. Sem medos, sem receios. Ou com todos eles, mas com a capacidade para aceitá-los e falar sobre eles com alguém. Não é fácil, de todo. Por isso existem associações como a Amara. Hoje pude celebrar com eles a vida, em festa, sem esquecer a morte. Sim, caíram algumas lágrimas mas foram libertadoras. Aquelas lágrimas que noutras situações guardo para mim porque estou a trabalhar e aquela pessoa, aquela família, precisam de mim. E eu tenho de tentar ser um pouco mais forte. Tentar, porque nem sempre é possível. E sou enfermeira, sim. Mas pessoa também.

Não podia deixar de escrever aqui algumas das coisas ditas e lidas hoje que me marcaram e sobre as quais penso ser importante e tranquilizador reflectir. Importante porque este assunto tem de deixar de ser sussurrado. Tem de ser falado em voz alta. Tem de ser assumido como uma fase da vida, mais uma, que precisa que se olhe para ela com atenção. Pensa-se na importância do apoio ao recém-nascido, à criança, ao jovem, ao adulto ou ao idoso. Esquece-se que todos eles precisam desse apoio, sim, mas por vezes esse apoio passa pelo seu acompanhamento na caminhada para a morte. Há que deixar, de uma vez por todas, de viver baseados na "conspiração do silêncio" face a esta temática. Tranquilizador porque percebemos que todos têm as mesmas ansiedades e dúvidas. Porque vemos que não estamos sozinhos.

"Permitir a expressão da dor. Sem regras. (...) Porque em muitos casos só em silêncio se pode projectar um significado. (...) Ninguém chega sozinho a lugar algum. (...) Cuidar é (por isso) também acolher lágrimas pesadas."

E recorrendo ao livro "Viva a Vida", uma história sobre a morte, para crianças. Nele, os testemunhos de crianças que lidaram com a morte de uma colega de turma ou que elas próprias sofrem de uma doença provavelmente fatal, fazem-me pensar que eles sim, eles sim sabem do que estão a falar.

"A morte é uma nova vida, mas não presente na terra. (...) Lá por as pessoas morrerem, a alegria de viver não se vai embora. Mas lá por a alegria não ir embora, nós ficamos marcados por algum tempo." (Karol, 8 anos)

" (...) Eu acho que toda a gente tem direito de viver e ser feliz até morrer. Eu também vou morrer um dia." (Márcia, 11 anos)

"Vida: não interessa quem tu és. Só interessa como és por dentro." (Jacob, 8 anos)

How deeply you're connected to my soul?...

"Não tenho medo da morte,
tenho pavor da distância entre a vida e a morte...
a saudade."
(mãe de uma criança doente)

"Quando as palavras não chegam para
exprimir o que me vai na alma..."

Tuesday, October 2, 2007

Simplesmente existem um para o outro.




Eles ali parados. O respeito de estarmos perante animais poderosos, fortes, imponentes. Amarelo, aquele amarelo acastanhado deles, no meio do amarelo da savana. Olhos felinos. Lembramos o Simba, o Mufasa... aquelas histórias de outros tempos tão actuais. Sabemo-las nossas naquele momento.
Com as zebras atrás, poderíamos pensar que planeiam um ataque. Logo nos é explicado que durante aquela semana não comem. Simplesmente existem um para o outro. Sim, o amor paira na savana. Durante uma semana farão amor cerca de 80 vezes por dia (leram bem!).
Continuam ali os dois, parados. Descansando. Apreciando a brisa ligeira que se faz sentir.
De repente, ela levanta-se. Aproxima-se dele. Ele percebe, unem-se, num momento curto, mas imensamente bonito (e nós temos a oportunidade de o testemunhar). Ouvem-se rugidos e separam-se. Ele acompanha-a com o olhar, enquanto ela se afasta ligeiramente para ir beber um pouco de água.
Pouco tempo depois, estão novamente juntos, descansando mais uma vez, aguardando ambos que ela se levante de novo e se aproxime dele, uma vez mais.

Crianças.







Longos trilhos traçados pelo pó levantado de uma carrinha que nos transporta para todo o lado. Ao longo desses caminhos gentes, vilas e aldeias. Casas de mil e uma cores, anunciando todo o tipo de marcas. Mas são elas, sim, as crianças. São elas que mais nos chamam a atenção.
O adeus lançado na beira da estrada, sorriso aberto sem qualquer falsidade. A pele escura contrasta com a claridade e brilho do seu olhar. A liberdade de andar por todo o lado, naquela terra rica em tanta coisa, transparece. Talvez lhes falte algo, talvez mais do que muito, mas têm uma liberdade que nenhuma criança cá tem.
As mais pequenas, andam sempre no aconchego das mães, envoltas naqueles panos que as aproximam.
As maiores, correm, brincam... sem horas, rumo ou objectivo concreto.
Nós limitámo-nos a olhar para elas e absorver um pouco da sua energia. Jambo!, gritávamos das janelas. E rapidamente desapareciam, à velocidade de uma carrinha que não pára...

Saturday, September 29, 2007

Rosa... um rosa ensurdecedor.


Imaginem o som mais ensurdecedor e belo que já ouviram até hoje. Multipliquem-no, elevem-no ao quadrado, juntem-lhe imaginação, força, energia... e talvez consigam perceber minimamente o que senti ao sair da carrinha no lago Nakuru. Milhões, sim, aqueles números com sete ou mais dígitos, de flamingos, formando uma imensa mancha rosa. Apenas uns pelicanos intrusos e um búfalo descansando lá no meio. O resto, cor de rosa claro. Som penetrante. Ali não se escuta o silêncio. Não é possível fazê-lo. Mas ouve-se o silêncio dos carros, do trânsito, do stress de viver um dia a dia preocupado com o dinheiro que ganhamos e o que vamos comer na próxima refeição.
Deixo-me levar, porque não pode ser de outra maneira. Respiro fundo. Nem um micrograma de poluição material, sonora, paisagística. Desvanecem as más energias que podiam restar e invade-me a sensação de que tudo é possível. Se eles conseguem criar um mar cor de rosa... eu amanhã se quiser vou à lua.
Assante sana (muito obrigada) à mãe natureza.
I believe... I can.

They... Only after them, us.


O mesmo tom. Naquela imensidão de paisagem que não termina. A perder de vista. Não há um princípio e um fim na savana. Ou pelo menos, nós não o encontramos com o olhar. O sol que teima em descer mais uma vez. Que teima em encher-me os olhos de cores quentes e frias, misturadas num quadro do melhor dos artistas.
Dentro da carrinha. Hoje não podemos pisar o chão e sentir a vibração emanada por ele. Hoje ficamos dentro da carrinha, espreitando pelas janelas abertas e o tecto levantado, pois alguém maior, imponente, mas extremamente calmo, ocupa o seu lugar naquele pedaço de savana que é mais dele do que nosso. Nós somos ali os invasores. Temos de respeitar que aquele momento é nosso, sim, porque o estamos a viver, mas é mais dele porque por lá anda todos os dias.
Caladas, mudas... ouvem-se apenas suspiros e exclamações de beleza nos olhares. Não se explica. Sente-se. O cheiro, a temperatura, a humidade, as cores, as sombras.
Atravessam a estrada, como se não existíssemos. Continuam a caminhada diante do caminho para a noite de sono do sol. Quando se afastam também nós o decidimos fazer. Ao seu ritmo.
Saua saua?...
E seguimos a nossa rota.
Feeling something I can't explain...

O abraço da terra.


Aqueles tons quentes, que se estendem em toda a dimensão da paisagem. Laranja forte e suave ao mesmo tempo. Vários tons de azul e violeta. O amarelo da savana (sim, para mim ela é amarela!). O sol descendo vertiginosamente (desce muito rápido, acelerado, como que fugindo de algo ou apenas querendo que a lua mostre todo o seu esplendor no meio do céu estrelado). Saímos do jipe para pisar o chão, a savana. Pisar o momento e agarrarmos-nos a ele, com força, para nunca o esquecer. Saltamos, corremos, tiramos fotografias. Cada uma, à sua maneira, absorve cada gotícula de O2 que por lá se respira. Não queremos sair. O búfalo, ao fundo, que nem repara na nossa presença. Não se esquece. É totalmente impossível. A terra, o que de melhor ela tem para nós, todos os dias, e a que não damos o valor suficiente até ter um momento assim. Abraçamos-nos e sorrimos como crianças. Até que ele, Kenyata, o nosso guia, nos chama. É hora de voltar.

"Use your arms to hold me tight"...
(earth's hug).

Thursday, September 27, 2007

O encanto do Quénia- Parte I (e não sei quantas partes terá!)

De volta. A realidade do dia-a-dia, do quotidiano, do stress de andar por cá à corrida, tratando de mil e uma coisas...
Dias intensos esses vividos nestas férias. Quénia o destino escolhido. Eu e mais cinco raparigas, amigas daqueles tempos de faculdade, enfermeiras desejando um período de repouso e tranquilidade, de aventura e descoberta.
Não sei como descrever aquele país. Qualquer coisa que vá dizer daqui, até ao final do post, será insuficiente, escassa, pequenina demais.
O primeiro impacto de estarmos rodeados de pessoas com uma cor de pele diferente da nossa, a toda a hora, em todos os lugares... de sermos nós a minoria. Perceber que existem receios, preconceitos, medos... enraizados em nós por uma cultura e uma forma de pensar que nos abafa. Perceber que nenhum deles faz sentido e que lá me senti tão bem como cá. Relacionar-me com aquelas pessoas de olhos negros, grandes. De sorrisos gigantes. O adeus das crianças na rua, por razão nenhuma, apenas como forma de saudação, sem mais (e o nosso olhar embevecido do outro lado da janela). Aquele menino pedindo dinheiro em Nairobi, à saída do supermercado, de onde saímos depois de comprar o nosso almoço por lá. O gelado que lhe dou e a imagem dele a lambuzar-se todo, feliz. As crianças ao colo ou às costas das mães, embrulhados em lenços, protegidos por aquele calor que apenas uma mãe pode dar. A insistência, chata por vezes, de quem nos quer vender tudo e mais alguma coisa... o "let's do business", de caneta e papel na mão, onde escreviam preços exorbitantes que logo desciam drasticamente com a nossa contra-proposta... "you give your number and we'll negociate". As pessoas palmilhando kilómetros a pé, para o trabalho, para casa, sem rumo. Formas de vestir demasiado ocidentalizadas que não combinam com tudo o resto. As bicicletas, grande meio de transporte por estradas demasiado esburacadas e poeirentas.
Depois um mundo completamente diferente (ou talvez não tanto, apenas mais agarrado às tradições de sempre). O das tribos e dos membros das mesmas que ainda vivem de acordo com os seus hábitos mais antigos. Existem 42 tribos diferentes no Quénia. Mais de perto, conheci a realidade dos Kikuyu e dos Massai. Polígamos, os homens casam com várias mulheres ao longo da vida, sendo que a primeira é sempre escolhida pelo pai e as restantes pelo próprio. De acordo com as leis Massai, o homem que casa com mais mulheres é aquele que tem mais vacas. Um Massai disse-nos também que as mulheres não são escolhidas pela sua beleza, porque para eles isso não é importante, são todas bonitas. Elas, deixam a família, e vão para onde estiver a viver o marido (os massai são pastores nómadas, ficando apenas 4 a 5 anos em cada lugar). Casas pequenas, muito pequenas. Escuras (não é muito usada a janela para dar entrada à luz e ao ar... quer-se a casa quente, apenas). Feitas de palha, terra, excrementos de vaca. Não existem WC's, nem portas entre as divisões (poucas) da casa, onde dormem pais e filhos (no caso dos Massai, as crianças com mais de 5 anos dormem fora de casa, na casa de outra das esposas do pai, quando o pai dorme em casa). Sim, porque cada esposa tem a sua casa, e o homem dorme uma noite em cada casa. Recordo a impossibilidade de respirar naquela casa, dos Kikuiu, com a fogueira acesa lá dentro. Vi aquela senhora a preparar os grãos para uma futura refeição. As danças Massai à minha volta e os sons graves, penetrantes e assustadores dos cânticos entoados por eles, bem perto. Tão perto que custou a habituar-me, a sentir-me à vontade. Eles treinam os saltos (quem salta mais alto, mais facilidade tem de impressionar uma rapariga Massai). Aos 18, após a circuncisão, tornam-se guerreiros, matando leões e outros animais, para se assumirem como lutadores e homens capazes. Aos 22 anos podem então casar. Nós, tentamos não pisar os excrementos de vaca enquanto dançávamos com as senhoras Massai. Eles quiseram mostrar-nos como faziam fogo com dois bocados de madeira (que trouxe comigo, ao preço do ouro) e como os excrementos de elefante, que pegavam na mão sem qualquer problema e esfarelavam, eram óptimas acendalhas. Os trajes típicos, com Kikois (panos característicos), vermelhos (no caso dos Massai), os inúmeros colares, pulseiras e brincos feitos de missangas com mestria e esplendoroso detalhe... contrastam com os relógios que algum turista ofereceu, numa das visitas à aldeia. Por lá já não se vive com base no comércio de trocas. O dinheiro faz parte e o negócio também. Paga-se pela visita à aldeia e dentro da mesma está montado um verdadeiro mercado de peças feitas à mão com madeira, pedra, missangas, tecido... Mas faz parte. Precisam disso para sobreviver. O mundo hoje não permite que seja de outra forma.

Continuo o meu relato da viagem, talvez amanhã, isto porque há tanto para dizer que tenho de tentar gerir as palavras, os acontecimentos, os momentos... tudo de forma a conseguir não esquecer pelo menos o essencial. Foi tanto, e tão bom, que se torna muito difícil.

Kwaheri (adeus!)