Saturday, February 15, 2020

Sobre ser enfermeira...

Sim... como quem não quer a coisa este ano farei 14 anos a exercer enquanto enfermeira. Muitas histórias de pessoas que entram naquele serviço, doentes, e que connosco partilham medos, angústias, dor... mas também conquistas da autonomia que se perdeu, alegria pelas batalhas ganhas. Se tem sido bom? Tem dias... gosto da essência da Enfermagem, daquilo que fazemos, do que isso nos permite na relação com o outro. Somos afortunados por entrar no mundo de quem cuidamos e partilhar o seu lado mais sensível, mais humano... aquele que fica a descoberto quando ficamos doentes, desprotegidos, desnudos. Não gosto, no entanto, da falta de valorização do que fazemos e de como a sociedade em geral acha que estamos numa missão, que quem vai para Enfermagem “sabia ao que ia e vai por vocação”... não gosto disso porque acarreta a crença de que podemos “aguentar” tudo... carreiras congeladas ou inexistentes, salários abaixo do que a nossa formação base implica, má educação e violência verbal e física de utentes e familiares, o não reconhecimento do risco da profissão, as horas a mais, as dotações inseguras, a falta de material, a falta de condições estruturais... enfim. No meio de tudo um turbilhão de sentimentos às vezes e a pergunta: porquê? Porquê esta escolha... e tento recordar o que me levou por este caminho, o que me motivava inicialmente. Nem sempre é fácil, aliás, muitos dias têm sido duros, mas o caminho faz-se caminhando... e eu lá vou, passo a passo.

Sobre ser mãe

Ser mãe é avassalador. Começa quando sabemos que estamos grávidas, quando vemos a nossa barriga a crescer, quando sentimos os primeiros movimentos dentro de nós. Depois o parto, ver e pegar no nosso filho/a por primeira vez. Saber que a partir desse momento teremos para sempre alguém que depende de nós, por quem somos responsáveis, que temos sempre de pôr em primeiro lugar. E começam a crescer... lidar com o choro, lidar com a dificuldade em dormir, lidar com as birras. Dizem que “é natural”, “instintivo”. Não acho, não acho mesmo. Acho que é expectável que se ame os nossos filhos (ainda que até isso não é assim tão linear em alguns casos) mas não é natural sabermos o que significa ser mãe e não se fala muito nisso. Dão a entender que a mulher sabe instintivamente o que fazer enquanto mãe... como cuidar do bebé, como gerir as mudanças, como nos adaptar a elas. E não é. É um processo... repleto de fases, umas mais simples e outras mais complexas. E não, não é fácil. Às vezes é querer fugir, escondermo-nos, chorar, gritar. É perder o controlo da situação. É não saber o que fazer. É lidar com a frustração e a impotência desse sentir. Ser mãe é errar, muito, vezes sem conta, e lidar com a consciência de que falhámos. (e ser mãe é perceber que quando não éramos ainda mães não tínhamos a mais pequena ideia de que ser mãe era isto tudo)

Recomeço

Depois de uma longa ausência volto. Tenho saudades de escrever, de pôr em palavras o que sinto, o que vivencio, o que vai acontecendo no meu dia a dia. Muita coisa mudou entretanto... a maior mudança? Sou mãe, duplamente. Mas pouco a pouco irei contando. (Re)comecemos!

Saturday, September 27, 2014

A palhinha do nariz do meu pai.

Tinha de partilhar a sua história. E a nossa história, consigo. Homem jovem, dos seus 40 e poucos anos. Um primeiro internamento no nosso serviço conduz a biópsias para esclarecimento da situação clínica. Reservado, pouco comunicativo. Daqueles doentes que pouco interage connosco. Totalmente autónomo. Tem alta, regressando a casa para aguardar no seu conforto o resultado dos exames. Dias depois é chamado de volta. Os resultados mostram o que não se desejava. É confrontado logo, de imediato, com um diagnóstico de cancro do pulmão com metástases em vários locais. O médico, o seu médico, o nosso médico, sem saber muito bem o que lhe dizer, como lhe dizer. A sua esperança de vida é curta. Muito curta. Muito mais curta do que queremos dizer. Depois desses poucos dias em casa aparece junto a nós já disfónico, com tosse constante e muitas secreções que não pára de retirar de dentro de si. A evolução foi rápida. Decide-se entubar para alimentação porque com tantas secreções e com a dificuldade que começa a ter a engolir, o risco de complicar tudo é grande. Falamos consigo. Compreende. Colabora como poucos na introdução, extremamente desagradável, de um tubo que entra pela narina e é conduzido até ao estomago. Inicia-se o modo habitual de alimentação - um pack de um líquido que se administra, durante uma hora, em perfusão contínua, cinco vezes por dia. No dia seguinte quando me aproximo pergunta: "posso beber água?". Questiono se quer beber pela boca. Diz-me que não. Refere que já foi bombeiro e que sabe mexer na sonda. Revejo os passos consigo e, realmente, não existem dúvidas ou dificuldades. Mudam-se os planos. Venha a dieta pastosa e deixe-se o senhor tratar disso. Sinto que essa autonomia o deixa contente. Leva, inclusivamente, o tabuleiro da alimentação sempre para o refeitório para comer, tal como os outros, lá. Que força interior lhe perscruto olhando-o na luta diária com um prognóstico tão difícil. Fala-me do seu filho, que ainda não tem 3 anos. Os seus olhos brilham. Por um lado, a alegria de falar nele. Por outro, embargados por lágrimas que se abeiram pelo pensamento de que não estará cá para o ver crescer. Outro dia, já de saída. Cruzo-me consigo, no corredor. Está sentado ao lado da sua esposa. O seu filho corre de um lado para o outro repleto de gargalhadas e sorrisos, tão característicos da sua idade. Feliz. Olha para mim e diz-me: "é ele, este é o meu filho". Pergunto-lhe o nome, brinco com ele. A determinada altura a sua inocência de criança olha-me e a rir diz: "o meu pai tem uma palhinha no nariz". Brinco com a ideia. Nunca me teria ocorrido. Sorrio. Diz que o pai tem uma pulseira muito gira. Prometo-lhe uma igual num próximo dia e no dia seguinte entrego-lha, escrevo o nome do seu filho nela e a sua data de nascimento e digo-lhe "agora pode ter uma pulseira igual à do pai". Agradece, novamente com a lágrima no olho. Hoje em casa, a passar uns dias com a família, até o corpo e a alma permitirem, espero que passe uns dias cheios... plenos daquele amor de família que é insubstituível. Estaremos cá quando precisar para o receber de novo se assim desejar. Para o acompanhar na fase final. Para permitir que seja um pouco menos difícil.

Os 30...

Uma pequena nota: fiz 30 anos recentemente e celebrei-os na melhor companhia. Os amigos de sempre, numa tarde e noite prolongadas com muita conversa, petiscos bons e aquele carinho que sabe tão bem. E família, até a do Norte, que esteve cá para celebrar comigo a entrada numa nova década. Assustador? Nem por isso... 30 anos até me soa bastante bem. Sinto-me "crescida".

Monday, September 1, 2014

A viagem dos cem passos.

Um filme com cheiros e sabores próprios. O encontro do nosso caminho... os cem passos que nos levam ao nosso futuro. O assumir que o mundo tem tanta diversidade que virar a cara a este facto é perder oportunidades... porque a diversidade dá riqueza a tudo o que fazemos e vivemos. Vale a pena.

Sunday, August 31, 2014

Que ressoem como tambores desfrenados... e que não fechemos os olhos.

Retomo a escrita neste blog hoje porque sinto necessidade de falar sobre alguns temas actuais da nossa sociedade. Não sei com que frequência voltarei, mas este blog é aquele cantinho onde eu falo, onde me expresso, onde debato ideias comigo mesma em palavras escritas. E, às vezes, preciso mesmo de o fazer. Venho falar do que se tem passado por esse mundo fora no que a guerras e conflitos armados diz respeito. São muitos, demasiado frequentes, profundamente absurdos. E destaco o conflito no Iraque porque quero falar do "Estado Islâmico", esse grupo de pessoas que se intitulam portadores da vontade de um ser superior, justificando assim os seus actos. Tenho lido um pouco sobre o assunto, porque até mim chegaram fotografias e vídeos que não posso ignorar. Gente matando gente, a sangue frio, sem olhar para trás. Pessoas a enterrar vivas outras pessoas. Indivíduos a decapitar indivíduos. Seres humanos a agrupar seres humanos numa vala comum e a disparar sobre eles várias vezes. Corpos caídos e ensanguentados, mortos... muitas vezes, ainda assim, desrespeitados e ignorados. Como é possível? Alguém disse uma vez que "não podemos deixar de falar do Holocausto porque cairá no esquecimento e tudo se repetirá novamente"... o que está a acontecer hoje, agora, neste preciso momento, no Iraque? Que atitudes são estas? Que comportamentos?... Em que é isto diferente do que foi feito há umas décadas contra os judeus? Há uns séculos com a Santa Inquisição? Em que são diferentes estes ideais? "Luta-se" (chacina-se...) por uma raça/religião/crença superior... uma ideia que se considera a única real, a única verdadeira. Tudo o resto não é aceite, ponto final. Todo aquele que não concorda, que se pronuncia contra, que não defende os mesmos princípios, é infiél e não merece viver. Assustador?... Muito! Assim como é assustador perceber que não são assim tão poucos aqueles que os apoiam por esse mundo fora. E nós, europeus, não somos diferentes. No meio daquilo que é considerado um mundo civilizado há quem dê a cara por esta "causa". Mas, e para terminar, achamos realmente que a ascenção cada vez mais evidente dos grupos de extrema direita ao poder por essa Europa fora não é já um sinal de alerta?... Que ressoem em nós as memórias de todos os massacres e de todas as chacinas que estudamos nas aulas de História e sobre os quais vemos documentários e, ainda hoje, muitos anos depois, nos chocam... que ressoem como tambores desfrenados... e que não nos saiam da cabeça. Não podemos permitir que tudo se repita. Não podemos fechar os olhos e ignorar.