Monday, October 29, 2007

Porque tenho medo de te dizer quem sou?

Tenho de expressar o meu choque. Não sei se conhecem uma série que dá na Fox Life, chamada, salvo erro, "Nip Tuck". Não a costumo ver muito. Acho-a violenta, agressiva. Não, não se vê agressão física nem pessoas a esfaquear outras. É outro tipo de violência. Aborda a temática do corpo e das cirurgias plásticas de uma forma muito forte e a frieza que transborda dos "cirurgiões" é tremenda. O corpo é visto como um pedaço de carne que retalham, mexem e moldam, sem qualquer cuidado pela parte menos física da pessoa que têm à frente.
Mas passemos ao que me levou a escrever este post. No meu zapping calhei no canal onde percebi qual a série que estava a dar. Por não haver nada mais interessante deixei ficar, como se estivesse a dar uma "segunda oportunidade" à série. Passados uns minutos um diálogo chamou-me à atenção (eu que estava embrenhada na minha leitura...). "Put the bag in your head". Não percebi. Perante a perplexidade da mulher, ele reitera "vá lá, quantas vezes é que poderás ter relações com um homem como eu? E eu não o farei se não tapares essa cara." Fiquei estática. Perplexa. Chocada (acho que já usei muitas vezes este termo hoje). Eu sei, eu sei que é uma série, mas também sei que as séries não diferem tanto assim da realidade, que estas coisas acontecem. Perguntam-se que terá ela feito. Colocou o saco. O resto penso que não terei de relatar grandemente. Termina com o retirar do saco e a saída dela de casa. Frio, calculista, cruel. Mas pior... ela regressa ao escritório dele, com o saco e o seu número de telefone escrito no mesmo. Entre outras coisas diz que não se tem que preocupar com o facto de se o agrada ou não, porque nunca o irá conseguir, portanto isso é, já por si só, muito bom e que sempre que ele quiser, poderá ligar-lhe.
Poderá parecer um pouco ridículo falar disto assim aqui. Mais ridícula ainda a minha perplexidade. Não sei. Mas já o tenho dito muitas vezes, acho que hoje em dia sofre-se de (entre outros muitos problemas) uma falta de auto-estima e amor próprio muito grande. Vive-se para responder a certos padrões e agradar aos outros. Estabelecem-se muitas vezes relações pelos motivos errados, ou porque não se quer ficar sozinho (a solidão apavora de uma forma totalmente não racional), ou "porque toda a gente tem alguém e eu não posso ser a única a não ter", porque aquela pessoa é popular e bonita (e portanto namorar com ela fará com que aos olhos dos outros também eu seja popular e bonita).... sei lá. Porque não é normal chegar a determinada idade sem ter estado com alguém. Agora encontrar a pessoa que somos e compreender que uma relação verdadeira a todos os níveis só acontece quando nos aceitamos como somos e aceitamos a outra pessoa como ela é, sem mais... parece que anda difícil. Não sei. Olho à minha volta e vejo o pessoal mais novo (e sim, também da minha geração) dedicar anos infindáveis da sua vida a uma relação obsessiva, onde com 20 anos aceitam ser controlados até ao mais ínfimo pormenor do seu quotidiano, com cenas de ciúme extremo (o ciúme, quando controlado é normal e até saudável, mas quando não se compreende a barreira entre o que é ciúme e o que é desconfiança, falta de auto-estima... torna tudo mais complicado), onde se afastam dos seus amigos e daquele dia-a-dia que sempre foi o seu, sem retorno.
Que divagação, meu deus! Mas é que reflicto muito sobre estas coisas porque me preocupam e falo muito disto com uma série de pessoas. Como monitora de colónia de férias tive também um contacto diferente com adolescentes e vi, percebi, senti... tudo isto.
O saco, aquele saco, é a representação extrema destas situações, onde tudo parece aceitável, só para não nos afastarmos de um determinado padrão.
Não se enganem, claro que também eu quero uma relação. Muito. Mas baseada nos pilares que para mim sempre foram fundamentais. Carinho, respeito, confiança. Não quero cá que desconfiem quando recebo uma sms, quando abro o meu mail, quando atendo um telefonema. Não faz sentido. Nada disso me faz sentido. Nunca fez.
Já alguém disse que a sociedade de hoje encontra-se a sofrer uma crise de valores. Concordo.
Acho que na maioria das situações é o medo terrível de mostrarmos quem somos. É isso que nos condiciona. Porque "dizer-lhe os meus pensamentos é localizar-me numa categoria. Dizer-lhe os meus sentimentos é falar-lhe sobre mim" (J.Powell). Não é fácil. Mas vamos tentar fazê-lo, até porque não há nada mais delicioso do que em silêncio, sermos escutadas e entendidas por alguém. Essas são as verdadeiras amizades, relações... as que escutam o silêncio, as que percebem um olhar, as que dizem tudo com a força de um abraço e a leveza de um pequeno beijo.
Quando aceitamos colocar o saco, mesmo que não haja realmente um saco mas uma forma metafórica do mesmo, não somos ninguém. Perdemo-nos da nossa identidade, da nossa pessoa, do que somos desde o momento em que nascemos e que fomos construindo ao longo da nossa vida. Se deixamos de ser, não existimos. E não viemos para este mundo para não existir.
"se te exponho a minha nudez como pessoa,
não me faças sentir vergonha"
(J.Powell)

Sunday, October 28, 2007

É o confronto com o outrem, que nós somos.

Estou aqui, sentada no "office" do corredor do meu serviço. São quase 4 da manhã. Na porta à minha frente o quarto do sr. A. (e não só). Fala, fala, fala... não percebo sobre o quê. Está a dormir, mas tal como nos momentos em que está acordado, fala. Isso e o ressonar de outros tantos doentes, em conjunto com o meu teclar, constituem os únicos sons audíveis neste momento neste espaço.
Fomos à pouco "dar a volta", expressão usada na gíria de Enfermagem para expressarmos o acto de ver se tudo está bem com todos, mudar a posição daqueles que sozinhos não o conseguem fazer... dar o aconchego nocturno para que possam continuar a ter um sono descansado. De lanterna na mão, lá andamos (às vezes questiono-me como reagiria se acordasse e visse uma sombra a andar no meu quarto de lanterna na mão... não ia ser bonito.). Nesse bocadinho, a tal "volta", vemos um pouco de tudo. Olhos imensamente abertos que nos descobrem no meio da escuridão, daquelas pessoas que já em casa dormiam pouco e aqui, em ambiente estranho, não dormem mesmo nada de noite. Aqueles outros olhos bem fechados, de quem dorme profundamente. Aqueles que parecem dormir, tal como o sr. J. mas que, sem abrir os olhos, lá conseguem dizer "dê-me algo para comer" (o sr. J. tem um "grave" problema... a fome constante!). O sr. que não respira tão bem assim, e que sim, a esta hora, necessita que um tubinho o ajude a tirar tudo cá para fora (que descanso...). Acochegamos, tapamos, envolvemos nas mantas e cobertores. E lá ficam. Preparados para a outra metade da noite. Para daqui a umas 2h30 serem acordados com avaliação de TA, temperatura, comprimidos para tomar... (que péssimo acordar!!!).
Pensando da perspectiva deles... passar uma noite aqui não deve ser nada fácil. Quanto a mim... tirando o transtorno no meu ciclo circadiano (que já não deve existir por aí além) e no meu cerebrozinho já por si só um pouco "frito", fazer noite, quando é calma como a de hoje, permite viver "aqueles tais pequenos momentos" de que um caro leitor falou. Não fosse hoje o sr E., de quem falei no post anterior, me ter dito, quando me dirigi a ele para lhe pedir que me acompanhasse até ao seu quarto para lhe poder ver os parâmetros vitais (e depois de me chegar mais perto dele porque ele não estava a ouvir o que eu lhe dizia), com um sorriso e olhos rasgados, "você tem uns olhos tão bonitos"... :) (recordo que tem uma doença psiquiátrica e que não faz este tipo de comentários com maldade nenhuma).
E gosto, gosto de chegar depois de 3 dias sem cá vir, e dar uma grande "boa noite" aos doentes, com a qual eles se riem... passando logo eu a explicar "é que já não o via há tanto tempo, que isto tem de ser dito com energia!".
Sim, somos enfermeiros que damos muito aos outros mas também recebemos, muito. Ainda mais quando as condições assim o permitem. Quando há tempo para ter tempo. Para estar. Para descobrir algo mais da vida das pessoas que estão ali connosco. Como um professor me disse uma vez "não é ser curiosos, é ser interessados, é mostrar áquela pessoa, que ela tem um valor maior para nós, que o de um simples doente a quem damos comprimidos". E sim, exercemos Enfermagem, para os outros, mas sobretudo, com os outros.
É como ter um espelho,
onde vemos muitos possíveis momentos da nossa vida.
É o confronto com o outrem,
que nós somos.

Thursday, October 25, 2007

Conclusões que me tornam mais feliz.

Sabem aqueles dias em que se sentem bem? Não sabem porquê, o que despoletou essa calma, essa tranquilidade, essa alegria e esse bem-estar. Mas sentem-se bem. Hoje é um dia desses.
Trabalhei de manhã, num daqueles turnos em que sentes que realmente estiveste lá, fizeste tudo, estiveste com as pessoas... pudeste estar com elas no espaço e tempo que elas precisavam. Sem pressas. Às vezes sabe bem. Nem tudo têm de ser doentes descompensados, correrias e emergências, por muito que esse lado também me fascine.
Foi ver o brilhozinho nos olhos do E., por saber que lhe iriam encerrar a colostomia... perceber também algum receio nesse mesmo olhar. E saber que se tudo correr bem, ele voltará para o seu país, para junto dos pais... finalmente... depois de tanta coisa.
É o sr. E, que dentro daquela patologia psiquiátrica que o envolve, o absorve num mundo que é o dele e que nem sempre compreendemos, deambulando pelo serviço às vezes meio perdido, sozinho, desamparado... tem momentos de estar cá, tão cá que me leva a rir imensamente. Hoje peguei-lhe no braço e disse-lhe "vamos lá até ao quarto para buscar a sua garrafa de água para tomar o comprimido". E lá fomos. Enfermeira e doente. Duas pessoas... apenas. De braço dado pelo corredor do serviço. Como que passeando. Conversando. Eu sempre a rir-me. Ele com as divagações dele. Até que começa a entoar a música do casamento... Sorri. Aquele gesto, de braço dado. Ele associou a um momento importante da vida dele. Disse-me nunca ter casado, mas ter vivido mais de metade da sua vida com a mulher que mais o completava. Não precisava de ter casado. Estavam-no em espírito, em vida, na partilha de momentos. É preciso mais?

"Uma incongruência nos fazia invejados.

Sermos um inusitado casal de namorados já com netos."
(José Craveirinha)

Ia dizer mais, mas acho que termina o post assim de uma forma bonita... não vou estragar :) A velhice não tem de ser só morte, dor, sofrimento. É bom saber isso.




Monday, October 22, 2007

O meu dia de hoje.

Uma chamada rápida, porque estavas quase a ir embora. Assim não havia hipótese de divagar demais. "Porque são as únicas, pelo menos por agora". Eu distante, seca. Por um lado foi bom, sim, sobretudo porque percebi que não mexeu cá dentro. "Agradecer por muita coisa". Não respondo. Vai ser bom para ti.
No meio de tudo isto, a loucura de achar que tenho tempo para tudo... e não é que nesta escala estou metida em 3 formações diferentes?... Vai ser lindo! Mas são todas fixolas... como diriam os putos.
Hoje a conversa com as minha colegas de serviço. O apoio. As minhas dúvidas e incertezas. A força. E depois o turno em que me ri tanto, mesmo quando mais apetecia chorar... Sim, porque levantes como os que fizemos hoje não dão muita vontade de rir, mas com algumas pessoas, tudo parece ter um lado bem humorado! Assim dá gosto! :)
Um dia deito-me às 22h na minha caminha... HOJE É O DIA! :) Tou exausta...

Sunday, October 21, 2007

Hoje é o dia.

Depois de mais uma manhã de trabalho e de uma tarde maravilhosa na companhia de pessoas que me fazem bem, chego a casa cansada, com fome e pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo.
Vejo as pessoas à minha volta a comprar casa (a casinha da Mara e do Luis é fabulosa!), vejo-as estabelecerem relações com perspectiva de andar para a frente, durante muito tempo... vejo-as. E olho para mim. 1001 projectos, 1001 coisas para fazer... mas sempre sedenta por mais... mais cursos, mais saídas, mais viagens, mais aventura... mais... (coisas que mexem cá dentro e de que não me apetece falar agora aqui).
Sinto também que algo falhou e que se desperdiçou algo importante. E hoje não sei bem lidar com isso. Sei demais. Adopto a postura de "não me interessa nada" mas no fundo questiono-me, interrogo-me, divago. E não é assim tão fácil. Apenas porque se calhar já tinha percebido mas não queria acreditar que fosse verdade, ou pior, porque talvez ainda agora não acredito que seja verdade.
Assim vai a vida... E lembrando alguns pacotes de açúcar maravilhosos que por aí andam (grande ideia Nicola! - o meu pai mata-me! EU a fazer publicidade a um café que não é Nestlé!!! Mas pronto... não bebam o café, fiquem só com os pacotes de açúcar...)...

"Um dia faço uma tatuagem...
Um dia ponho a mochila às costas e vou ver o mundo...
Um dia dou-te um beijo a meio de uma frase...
Um dia largamos tudo e fugimos os dois...
Um dia dançamos juntos no meio da rua...
Um dia juntamos as escovas de dentes...
HOJE É O DIA"
(o dia é quando quisermos,
mas têm mesmo de haver
dias assim na vida...
pelo menos na minha...
dias que são OS dias!)

Monday, October 15, 2007

É bonita, é bonita e é bonita!

"Viver...
E não ter a vergonha de ser feliz.
Cantar...
E cantar, e cantar...
A beleza de ser um eterno aprendiz...
Ai meu Deus!
Eu sei...
Que a vida devia ser bem melhor e será...
Mas isso não impede que eu repita...
É bonita, é bonita e é bonita!"

(Gonzaguinha - Viver e não ter a vergonha de ser feliz)

À Pipa, por me mostrar a música :)
A mim, e a quem me rodeia, por ter alcançado a capacidade de acreditar nestas palavras, até nos momentos mais difíceis, mais tristes, mais duros da vida. Na solidão ou nos dias em que estamos rodeados de gente de quem gostamos... "fico com a pureza da resposta das crianças... é a vida, é bonita e é bonita"...

Sunday, October 7, 2007

Quando as palavras não chegam para exprimir o que me vai na alma.


" (...) Don't you think you've done enough
Oh, don't you think you've got enough, well maybe…
You don't think there's time to stop... stop.
There's time enough for you to lay your head down,
Tonight
Tonight
Let it wash away
All those yesterdays (...)"

Saturday, October 6, 2007

Dia Mundial dos Cuidados Paliativos

A morte. Sim, essa palavra dura, que corrói, que custa a dizer. Esse momento inevitável na vida, o único verdadeiramente inevitável. Esse tema ainda tabu. E tudo o que podemos fazer para tornar esse processo, esse processo de morrer... mais calmo, mais acompanhado. Sem medos, sem receios. Ou com todos eles, mas com a capacidade para aceitá-los e falar sobre eles com alguém. Não é fácil, de todo. Por isso existem associações como a Amara. Hoje pude celebrar com eles a vida, em festa, sem esquecer a morte. Sim, caíram algumas lágrimas mas foram libertadoras. Aquelas lágrimas que noutras situações guardo para mim porque estou a trabalhar e aquela pessoa, aquela família, precisam de mim. E eu tenho de tentar ser um pouco mais forte. Tentar, porque nem sempre é possível. E sou enfermeira, sim. Mas pessoa também.

Não podia deixar de escrever aqui algumas das coisas ditas e lidas hoje que me marcaram e sobre as quais penso ser importante e tranquilizador reflectir. Importante porque este assunto tem de deixar de ser sussurrado. Tem de ser falado em voz alta. Tem de ser assumido como uma fase da vida, mais uma, que precisa que se olhe para ela com atenção. Pensa-se na importância do apoio ao recém-nascido, à criança, ao jovem, ao adulto ou ao idoso. Esquece-se que todos eles precisam desse apoio, sim, mas por vezes esse apoio passa pelo seu acompanhamento na caminhada para a morte. Há que deixar, de uma vez por todas, de viver baseados na "conspiração do silêncio" face a esta temática. Tranquilizador porque percebemos que todos têm as mesmas ansiedades e dúvidas. Porque vemos que não estamos sozinhos.

"Permitir a expressão da dor. Sem regras. (...) Porque em muitos casos só em silêncio se pode projectar um significado. (...) Ninguém chega sozinho a lugar algum. (...) Cuidar é (por isso) também acolher lágrimas pesadas."

E recorrendo ao livro "Viva a Vida", uma história sobre a morte, para crianças. Nele, os testemunhos de crianças que lidaram com a morte de uma colega de turma ou que elas próprias sofrem de uma doença provavelmente fatal, fazem-me pensar que eles sim, eles sim sabem do que estão a falar.

"A morte é uma nova vida, mas não presente na terra. (...) Lá por as pessoas morrerem, a alegria de viver não se vai embora. Mas lá por a alegria não ir embora, nós ficamos marcados por algum tempo." (Karol, 8 anos)

" (...) Eu acho que toda a gente tem direito de viver e ser feliz até morrer. Eu também vou morrer um dia." (Márcia, 11 anos)

"Vida: não interessa quem tu és. Só interessa como és por dentro." (Jacob, 8 anos)

How deeply you're connected to my soul?...

"Não tenho medo da morte,
tenho pavor da distância entre a vida e a morte...
a saudade."
(mãe de uma criança doente)

"Quando as palavras não chegam para
exprimir o que me vai na alma..."

Tuesday, October 2, 2007

Simplesmente existem um para o outro.




Eles ali parados. O respeito de estarmos perante animais poderosos, fortes, imponentes. Amarelo, aquele amarelo acastanhado deles, no meio do amarelo da savana. Olhos felinos. Lembramos o Simba, o Mufasa... aquelas histórias de outros tempos tão actuais. Sabemo-las nossas naquele momento.
Com as zebras atrás, poderíamos pensar que planeiam um ataque. Logo nos é explicado que durante aquela semana não comem. Simplesmente existem um para o outro. Sim, o amor paira na savana. Durante uma semana farão amor cerca de 80 vezes por dia (leram bem!).
Continuam ali os dois, parados. Descansando. Apreciando a brisa ligeira que se faz sentir.
De repente, ela levanta-se. Aproxima-se dele. Ele percebe, unem-se, num momento curto, mas imensamente bonito (e nós temos a oportunidade de o testemunhar). Ouvem-se rugidos e separam-se. Ele acompanha-a com o olhar, enquanto ela se afasta ligeiramente para ir beber um pouco de água.
Pouco tempo depois, estão novamente juntos, descansando mais uma vez, aguardando ambos que ela se levante de novo e se aproxime dele, uma vez mais.

Crianças.







Longos trilhos traçados pelo pó levantado de uma carrinha que nos transporta para todo o lado. Ao longo desses caminhos gentes, vilas e aldeias. Casas de mil e uma cores, anunciando todo o tipo de marcas. Mas são elas, sim, as crianças. São elas que mais nos chamam a atenção.
O adeus lançado na beira da estrada, sorriso aberto sem qualquer falsidade. A pele escura contrasta com a claridade e brilho do seu olhar. A liberdade de andar por todo o lado, naquela terra rica em tanta coisa, transparece. Talvez lhes falte algo, talvez mais do que muito, mas têm uma liberdade que nenhuma criança cá tem.
As mais pequenas, andam sempre no aconchego das mães, envoltas naqueles panos que as aproximam.
As maiores, correm, brincam... sem horas, rumo ou objectivo concreto.
Nós limitámo-nos a olhar para elas e absorver um pouco da sua energia. Jambo!, gritávamos das janelas. E rapidamente desapareciam, à velocidade de uma carrinha que não pára...