Tuesday, May 8, 2012

Artigo de Cristina Galvão no Expresso de 5/5/2012

 "O comentário de Miguel Portas sobre os cuidados de enfermagem de que foi alvo foi uma das mais significativas homenagens que se podem fazer a um grupo profissional. O senhor Miguel foi há cerca de um ano operado a um cancro do pulmão. Saudável e autónomo até aí, pela primeira vez na sua vida esteve internado num hospital, cuidado por terceiros. Ficou surpreso com os cuidados de que foi alvo e manifestou-o publicamente após a alta hospitalar. Referiu que com surpresa constatara que se fala muito do trabalho dos médicos, mas que a verdadeira alma de um hospital são os enfermeiros. Presentes e próximos dos doentes vinte e quatro horas por dia, o seu cuidado e atenção são fundamentais para o bom funcionamento dos serviços, para a qualidade do atendimento, para o bem-estar dos doentes. E dá tanto, diariamente, nos hospitais e na comunidade. Na mesma semana da morte de Miguel Portas, a comunicação social deu ênfase a uma notícia sobre a Linha Saúde 24: o atendimento telefónico de enfermagem e as mais-valias que representa no aconselhamento em saúde e opções de recurso aos serviços de saúde em caso de doença súbita. Feito por enfermeiros com formação adequada para este tipo de intervenção, a linha telefónica Saúde 24 evita por mês cerca de 25 mil deslocações desnecessárias às urgências hospitalares. O seu trabalho faculta orientações que permitem a quem telefona cuidar de si mesmo, protelar para o dia seguinte uma consulta no seu centro de saúde ou, quando tal se justifica, uma referenciação dirigida para a instituição de saúde mais adequada a tratar a situação em causa. Se considerarmos que a maior parte das situações que recorrem a um serviço de urgência poderia ser atendida de forma adequada nos cuidados de saúde primários e que os custos de uma ida a um serviço de urgência são completamente distintos dos de um recurso à consulta do médico de família no centro de saúde da área de residência, com benefícios acrescidos para o doente, o trabalho realizado pelos enfermeiros da Linha Saúde 24 nos últimos cinco anos constitui uma significativa mais-valia para a saúde das populações e para a economia do país. Num e noutro caso os louros são devidos a um grupo profissional muito próximo das populações com quem e para quem trabalha, nos cuidados de saúde primários ou nos hospitais. Um trabalho frequentemente pouco valorizado a nível social e pela tutela e mal pago no serviço público. Uma profissão com competências próprias e grande capacidade de organização e realização de trabalho. Bem-haja aos enfermeiros portugueses."

Monday, May 7, 2012

Enquanto enfermeira deparo-me todos os dias com dor e sofrimento e lido frequentemente com a morte ou a sua proximidade. Não querendo parecer "fria", uma pessoa de certo modo acostuma-se e aprende a compreender a naturalidade de todo o processo e a sua inevitabilidade. Mas, nem sempre é assim. Porque nem todas as mortes são tranquilas. E aí, sim, tudo muda... Hoje tive um dia difícil enquanto enfermeira. Hoje não contive as lágrimas enquanto o acompanhava porque a sensação de impotência foi devastadora. Não suporto ver pessoas a morrer com falta de ar, com dificuldade respiratória, com sensação de asfixia. São normalmente aquelas pessoas que nos últimos momentos nos colocam as perguntas mais difíceis, que mais conscientes estão de tudo, que não conseguem sentir-se bem de modo algum. Revolta-me ter estado nesta situação demasiado tempo quando existem formas de o aliviar. Revolta-me ter estado a seu lado, de mão dada, enquanto o tentava acalmar, garantindo que não estava sozinho... e apenas me dizia que não conseguia ficar calmo porque não conseguia respirar. Revolta-me que tenha estado assim mais de uma hora, enquanto o sangue lhe invadia os pulmões e o impedia de respirar. Revolta-me que apenas depois desse tempo a terapêutica adequada tenha sido posta em curso e finalmente, tenha conseguido ficar tranquilo, na companhia de quem toda uma vida permaneceu a seu lado, mesmo após a separação. Depois de tudo apenas algo me aliviou a sensação de vazio... saber que nunca esteve sozinho. Saber que quando apertava a minha mão à procura de algo, encontrou esse algo. E que quando eu lhe dizia "não se preocupe, não está sozinho", a sua mão apertava mais forte. Sinto que precisava da minha/nossa presença, e que estivemos lá. Mas como disse ao dr. P. no final, tudo se devia ter iniciado mais cedo... sem sujeitármos a pessoa a todo aquele sofrimento. Sei, através de uma colega, que até há cerca de 2 horas ainda estava entre nós, mas mantendo-se tranquilo. Espero que parta em paz e sem mais sofrimento. Obrigada por o que me deu, como tantos outros, sem se aperceber. Aprendemos às vezes com experiências que nos são intimamente muito difíceis... Hoje foi um desses dias.