Thursday, February 28, 2008

Porque temos medo?



"If I had eyes in the back of my head
I would have told you that
You looked good
As I walked away (...)"

If I had eyes - Jack Johnson

Pergunto-me porque somos assim. Porque esperamos sempre pelo momento em que nos afastamos daquela pessoa para rever na nossa cabeça tudo o que gostaríamos de ter dito? Porque não somos capazes de dizer o que sentimos, o que nos apetece, o que queremos naquele momento? Porque temos medo? Porque somos inseguros? O que ganhamos com isso? Porque estamos sempre à espera "que aconteça"?

If I had eyes...




Tuesday, February 19, 2008

O que nos torna humanos.

Um sopro. Um suspiro. Um eterno rugir da natureza. Aquela pontada na barriga. O olhar prazeiroso de quem vê apenas um magnífico arco-íris. O sentir de emoções plenas e partilhadas. O arrepio que nos transcende. O calor que se apodera de nós. O silêncio gritante da paixão. O sorriso da paz sentida. A mistura de músicas que nos envolvem. O abraço calado que nos aconchega. Os passeios acompanhados, com um nó, impossível de desatar, de duas mãos. O espaço e o tempo em que não existe nada mais. Apenas duas pessoas. O livro que se escreve com o desenrolar de uma história nunca repetida. O filme que não aparece em cinema algum. A vida... aproveitada a cada instante, sugada como se da última gota de água num deserto se tratasse.

É esse sentir, mais do que nenhum outro, que nos torna humanos.

Saturday, February 16, 2008

Hoje é o dia de viver.








Porque em dias assim penso que devemos levar tudo com alegria, pensar que o dia a dia é para viver com intensidade... porque um dia já não estamos aqui e ficam apenas a memória e as saudades. Hoje é o dia para tudo e mais alguma coisa. Amanhã também. E depois de amanhã? Claro... também! Todos são dias bons para viver, amar e sorrir. Dias para se ser feliz.
A si... um beijo gigante e uma boa caminhada para esse mundo desconhecido.
Aos que cá ficaram, com saudades... força.
Que as lágrimas dêem lugar aos sorrisos de quem recorda com carinho momentos mágicos. Na minha infância vivi muitos deles e guardo-os cá dentro, para sempre, comigo.

Wednesday, February 13, 2008

Morte... e qualidade de vida.

Ontem a morte deu lugar à vida... a qualidade de vida, pelo menos. E eu fiquei contente, apesar dos sentimentos ambivalentes inicialmente sentidos.
Encontrava-me a cuidar da higiene de um doente, quando uma colega me diz que o sr da cama x estava a falecer. Num curto espaço de tempo recordo a passagem de turno e aquilo de que me lembro sobre diagnósticos e antecedentes pessoais. Pergunto às minhas colegas: "esse senhor tem problemas do foro cardíaco, certo? Nada de problemas oncológicos ou infecciosos?" "Não", oiço do outro lado. Lembro então: "é um possível dador de córneas". É a minha luta pessoal desde que em Novembro assisti a um seminário sobre estas questões e me apercebi que temos um protocolo no Centro Hospitalar para doação de órgãos e córneas e que na maioria dos serviços pouco se sabe sobre o mesmo e quem sabe, na altura, não se lembra.
Olharam-me surpreendidas, pela veemência da minha afirmação. "Tem que se colher 2 tubos de Bioquímica para as análises". A minha colega substitui-me no que resta da higiene e vou ter com o senhor. Inicia-se a ambivalência de sentimentos: o senhor, nos seus últimos momentos, e eu com a necessidade de invadir a sua calma para melhorar a vida de outra pessoa. Quando me aproximo dele, já não está cá. Provavelmente acabou de falecer. Tento colher sangue. De via periférica torna-se impossível. Ligo para o Gabinete de Coordenação de Transplantes. De lá dizem-me que o sangue é essencial. Recomendam uma via central ou colheita intra-cardíaca. A Dra A. oferece-se para tentar uma femural, mas sem pulso, torna-se também impossível. Quando já comunicava que não seria possível, o Dr. Brotas ouve a conversa e diz "eu trato disso". Só a experiência e genialidade daquele homem para o fazer. Uma vez mais a ambivalência de sentimentos. Mas conseguimos. Inicia-se o encaminhamento. Não se encontra inscrito na rede nacional de não dadores. Pouco tempo depois um médico oftalmologista e a interna da mesma especialidade encontram-se no serviço. Dou apoio. E faz-se uma colheita aparentemente boa. Estou feliz. Muito feliz. Abri os olhos aos meus colegas, para a necessidade de se estar desperto para estas questões, fazendo-os perceber que sim, grande parte dos nossos doentes que falecem, estão ou infectados ou sofrem de uma doença oncológica, mas temos algumas pessoas que são potenciais dadores.Venci uma pequena batalha. Dei a alguém a possibilidade de ver o mundo com outros olhos... e de viver melhor. Senti-me bem com tudo isso. Mas não deixei de manter a ambivalência de sentimentos.

Monday, February 11, 2008

Aquela pergunta que ninguém quer ouvir.

Descansando de 16 horas de trabalho. Passei o dia a dormir depois de dois turnos intensos, não tanto a nível de trabalho, mas sobretudo a nível emocional. Uma tarde e noite que não esperei que acabasse assim...
Já na passagem de turno, aquele ritual que celebra o fim de uma jornada laboral, oito da manhã... A AAM vem-me chamar. "O sr. da cama 21 diz que quer lá uma enfermeira". A cara diz tudo. Vou, achando que o sr está, uma vez mais, apelativo, receoso... apenas isso. Aproximo-me já fatigada, com menos paciência do que seria de esperar de uma enfermeira, com pouca vontade já de ali estar. Continuo a achar que o sr quer apenas atenção. Que não está mal. Apenas sozinho. Sofre de um cancro de pulmão, em fase avançada, sem hipótese de cura. Esteve bem nas horas passadas. Atmosfera húmida de vez em quando, tornara-se naquilo que melhor o fazia sentir. Mas falava, calmo, sem grandes queixas. Agora estou à sua frente e agarra-me o braço. Sinto-me incomodada com aquela invasão do meu espaço, o meu espaço íntimo. Afasto-lhe a mão, talvez não tão delicadamente como devia. Respira ofegantemente, diz que lhe dói tudo... o peito, as costas, os braços. Olho-o. Não como apenas uma pessoa olha para outra pessoa. Olho-o também como enfermeira. Está pálido, muito pálido. Sudorese profusa. Como pessoa, vejo claramente o seu sofrimento. Peço o Dinamap... tento perceber como estão os sinais vitais. O aparelho teima em dar sinal de erro... não consigo avaliar. Aparece apenas, por uma questão de segundos, a Sat O2... 78%. Pisca o sinal de "baixo"... como se eu não o soubesse. Ele não está bem. Eu sei. O meu "eu" enfermeira também. De repente... aquela pergunta que nunca queremos ouvir, porque não temos resposta para ela. "É o meu fim?" Os seus olhos observam-me, ansiando uma resposta que ele, melhor do que eu, sabia. Sentia. Numa atitude cobarde, finjo não ouvir a pergunta. Tento acalmá-lo, fazer com que respira mais pausadamente. Em vão. Repete a pergunta, como se me dissesse que não posso fugir dela. É importante para ele ouvir algo. É importante para mim dizer-lhe algo então. Respondo, não disfarçando o meu receio e incerteza, "não me faça essa pergunta. Sabe que ninguém pode responder a isso". Peço que se acalme, que respire pausadamente, uma vez mais. Sou eu quem o tem de fazer também. A impotência invade-me. Decido ligar ao médico. Peço à AAM que fique um instante com ele. Tenho medo que no meio daquela agitação, ele caia ao chão. Digo ao Dr. E. o que se passa. Oiço do outro lado apenas um "aumente o débito do oxigénio". "Ao meu critério?" - questiono. "Sim, não podemos fazer nada mais. O sr tem um cancro do pulmão, vai morrer, vamos tentar dar-lhe um pouco mais de O2". A resposta corrói. Sei que não vou ter o apoio dele naquele momento. Não pretendo prolongar a vida de quem está por um fio, mas aliviar o sofrimento de quem sente que está a partir, consciente, com falta de ar... Regresso para perto do sr... as forças desaparecem e temos de o ajudar a recostar-se. Coloco-lhe o oxigénio a 12 litros por minuto por máscara de alto débito. Não me fala. Já não reage. Não lhe palpo pulso periférico. Não me parece essencial palpar um pulso central. Respira, vagorosamente, em esforço... em agonia. Geme. Os seus olhos... revelam que algo se passou naquele curto espaço de tempo: anisocória (assimetria das pupilas) marcada. Nunca tinha visto nada assim. Perde o controlo do esfíncter urinário.
Passaram apenas cerca de 20 minutos desde que tudo começou. Está na hora de ir embora. Digo às minhas colegas que o sr já não está cá. E saio, com a colega de turno. Como se não tivesse passado por estes 20 minutos. Sei, pouco depois, por uma mensagem, que o sr faleceu. Não consigo não pensar nele. No seu "desculpe por lhe estar a agarrar o braço" e o meu "não faz mal", dito já depois de ter percebido que aquele toque não era a invasão do meu espaço que inicialmente tinha sentido, mas uma necessidade de alguém que o acompanhasse neste percurso desconhecido, incerto, solitário. E aquela pergunta... a minha resposta vaga...

Princípio, meio e fim...

Thursday, February 7, 2008

...

Caminhar pelas estradas que não vejo, sentindo o que não me toca. Olho, e todos seguem naquela direcção. Não sinto, há tanto tempo, que não sei como é. Mas sinto... aquela outra coisa: a saudade. E vejo-me enrolada em mim. Arrepiando-me sem saber porquê. Aquela força e alegria de viver. A frieza de me fechar, não permitindo que me doa. Corrói. Percorre cada canto do corpo. E então sinto que quero, não tenho.
A pureza de sentir...

Monday, February 4, 2008

Luxo procurado por quem nunca o teve.

"Um denominador comum a todos os luxos, e talvez o único, verdadeiro luxo, é o de poder ver longe. Abrir as janelas de par em par e sentir que é o mundo que entra em casa. Não admira que toda a especulação imobiliária portuguesa se baseie neste engodo: vistas. Quando as não há, recorre-se ao "plano B": condomínio privado. Vigilância contínua, circuito fechado, qualidade de vida enfrascada numa realidade protegida e estanque. Penso na alegria linfática que corre nas vielas italianas, na fiesta em horário contínuo das praças espanholas e mexicanas, na hora de ponta holandesa feita de bicicletas em voo livre, nas cidades marítimas neo-zelandesas abertas ao vento austral. Volto a pensar no condomínio fechado português. Tal como o hotel no Congo, é, também ele, o luxo procurado por quem nunca o teve, nem sabe do que é realmente feito."

(excerto de "África Acima" de Gonçalo Cadilhe - reflexões sobre a nossa vida, o nosso quotidiano, só possível para quem a vive intensamente... e já viu outras formas de a encarar.)

Vocês ensinem os nossos a viver a vida...

"Fico a pensar no interesse desses senegaleses por uma língua que não é a sua; é minha. Imagino o nível de entusiasmo, o estímulo para prosseguir estudos destes onze mil miúdos, o orgulho de vinte e dois mil pais. E penso: mais do que oferecer uma bolsa, o meu país devia era promover intercâmbios estudantis: mandem-nos esses onze mil entusiastas interessados na nossa língua, que nós mandamo-vos umas centenas de milhares de apáticos desinteressados de tudo. Mandamo-vos uma geração de privilegiados do destino, para que eles compreendam a sorte que tiveram em nascer portugueses. Intercambiemos: nós ensinamos os vossos miúdos a falar a língua, vocês ensinem os nossos a viver a vida."

(excerto de "África Acima" de Gonçalo Cadilhe, em que o autor, na sua viagem se cruza com um senegalês que conta com orgulho que o seu filho foi vencedor de um concurso de português cujo prémio é uma bolsa de estudo, e que é um dos muitos estudantes que estudam o nosso português. Dá que pensar.)

Farta de... Disposta a...

Hoje estou num daqueles dias em que se não fosse o miminho confortável em casa da Pipa, enroladas as 3 em mantas coloridas e partilhando as nossas histórias, estaria ainda mais farta... mais cansada.
É o texto do "estou farta de".
Estou farta de dias cinzentos de chuva (ainda que tenham sido poucos). Das minhas alergias e a comichão horrível que me provocam no nariz. Farta de sentir que as instituições que nos empregam fazem o que querem de nós sob a ameaça subtil de que o mercado de trabalho está saturado e é uma sorte termos trabalho. Cansada de viver entre um quarto com um colchão no chão e caixotes, uma cozinha cheia de pó e um WC minimamente asseado. De pessoas que não agradecem quando lhes cedo passagem na estrada. De pessoas sem paciência para esperar. De não ter um abraço mais apertado depois de um dia mais duro no trabalho. De ter que tratar de tudo... das minhas coisas, das do meu irmão, das dos meus pais. Cansada de trabalhar... e precisando urgentemente de férias! De não ter tempo para tudo o que gostava de fazer. De esperar... em vez de agir. De silêncios que não me dizem nada.
E acima de tudo... estou farta de estar farta!!!! Mas isto vai passar... fases, dias. Amanhã, depois de horas longas de sono... estarei concerteza menos farta... e mais disposta a... :)