Saturday, September 29, 2007

Rosa... um rosa ensurdecedor.


Imaginem o som mais ensurdecedor e belo que já ouviram até hoje. Multipliquem-no, elevem-no ao quadrado, juntem-lhe imaginação, força, energia... e talvez consigam perceber minimamente o que senti ao sair da carrinha no lago Nakuru. Milhões, sim, aqueles números com sete ou mais dígitos, de flamingos, formando uma imensa mancha rosa. Apenas uns pelicanos intrusos e um búfalo descansando lá no meio. O resto, cor de rosa claro. Som penetrante. Ali não se escuta o silêncio. Não é possível fazê-lo. Mas ouve-se o silêncio dos carros, do trânsito, do stress de viver um dia a dia preocupado com o dinheiro que ganhamos e o que vamos comer na próxima refeição.
Deixo-me levar, porque não pode ser de outra maneira. Respiro fundo. Nem um micrograma de poluição material, sonora, paisagística. Desvanecem as más energias que podiam restar e invade-me a sensação de que tudo é possível. Se eles conseguem criar um mar cor de rosa... eu amanhã se quiser vou à lua.
Assante sana (muito obrigada) à mãe natureza.
I believe... I can.

They... Only after them, us.


O mesmo tom. Naquela imensidão de paisagem que não termina. A perder de vista. Não há um princípio e um fim na savana. Ou pelo menos, nós não o encontramos com o olhar. O sol que teima em descer mais uma vez. Que teima em encher-me os olhos de cores quentes e frias, misturadas num quadro do melhor dos artistas.
Dentro da carrinha. Hoje não podemos pisar o chão e sentir a vibração emanada por ele. Hoje ficamos dentro da carrinha, espreitando pelas janelas abertas e o tecto levantado, pois alguém maior, imponente, mas extremamente calmo, ocupa o seu lugar naquele pedaço de savana que é mais dele do que nosso. Nós somos ali os invasores. Temos de respeitar que aquele momento é nosso, sim, porque o estamos a viver, mas é mais dele porque por lá anda todos os dias.
Caladas, mudas... ouvem-se apenas suspiros e exclamações de beleza nos olhares. Não se explica. Sente-se. O cheiro, a temperatura, a humidade, as cores, as sombras.
Atravessam a estrada, como se não existíssemos. Continuam a caminhada diante do caminho para a noite de sono do sol. Quando se afastam também nós o decidimos fazer. Ao seu ritmo.
Saua saua?...
E seguimos a nossa rota.
Feeling something I can't explain...

O abraço da terra.


Aqueles tons quentes, que se estendem em toda a dimensão da paisagem. Laranja forte e suave ao mesmo tempo. Vários tons de azul e violeta. O amarelo da savana (sim, para mim ela é amarela!). O sol descendo vertiginosamente (desce muito rápido, acelerado, como que fugindo de algo ou apenas querendo que a lua mostre todo o seu esplendor no meio do céu estrelado). Saímos do jipe para pisar o chão, a savana. Pisar o momento e agarrarmos-nos a ele, com força, para nunca o esquecer. Saltamos, corremos, tiramos fotografias. Cada uma, à sua maneira, absorve cada gotícula de O2 que por lá se respira. Não queremos sair. O búfalo, ao fundo, que nem repara na nossa presença. Não se esquece. É totalmente impossível. A terra, o que de melhor ela tem para nós, todos os dias, e a que não damos o valor suficiente até ter um momento assim. Abraçamos-nos e sorrimos como crianças. Até que ele, Kenyata, o nosso guia, nos chama. É hora de voltar.

"Use your arms to hold me tight"...
(earth's hug).

Thursday, September 27, 2007

O encanto do Quénia- Parte I (e não sei quantas partes terá!)

De volta. A realidade do dia-a-dia, do quotidiano, do stress de andar por cá à corrida, tratando de mil e uma coisas...
Dias intensos esses vividos nestas férias. Quénia o destino escolhido. Eu e mais cinco raparigas, amigas daqueles tempos de faculdade, enfermeiras desejando um período de repouso e tranquilidade, de aventura e descoberta.
Não sei como descrever aquele país. Qualquer coisa que vá dizer daqui, até ao final do post, será insuficiente, escassa, pequenina demais.
O primeiro impacto de estarmos rodeados de pessoas com uma cor de pele diferente da nossa, a toda a hora, em todos os lugares... de sermos nós a minoria. Perceber que existem receios, preconceitos, medos... enraizados em nós por uma cultura e uma forma de pensar que nos abafa. Perceber que nenhum deles faz sentido e que lá me senti tão bem como cá. Relacionar-me com aquelas pessoas de olhos negros, grandes. De sorrisos gigantes. O adeus das crianças na rua, por razão nenhuma, apenas como forma de saudação, sem mais (e o nosso olhar embevecido do outro lado da janela). Aquele menino pedindo dinheiro em Nairobi, à saída do supermercado, de onde saímos depois de comprar o nosso almoço por lá. O gelado que lhe dou e a imagem dele a lambuzar-se todo, feliz. As crianças ao colo ou às costas das mães, embrulhados em lenços, protegidos por aquele calor que apenas uma mãe pode dar. A insistência, chata por vezes, de quem nos quer vender tudo e mais alguma coisa... o "let's do business", de caneta e papel na mão, onde escreviam preços exorbitantes que logo desciam drasticamente com a nossa contra-proposta... "you give your number and we'll negociate". As pessoas palmilhando kilómetros a pé, para o trabalho, para casa, sem rumo. Formas de vestir demasiado ocidentalizadas que não combinam com tudo o resto. As bicicletas, grande meio de transporte por estradas demasiado esburacadas e poeirentas.
Depois um mundo completamente diferente (ou talvez não tanto, apenas mais agarrado às tradições de sempre). O das tribos e dos membros das mesmas que ainda vivem de acordo com os seus hábitos mais antigos. Existem 42 tribos diferentes no Quénia. Mais de perto, conheci a realidade dos Kikuyu e dos Massai. Polígamos, os homens casam com várias mulheres ao longo da vida, sendo que a primeira é sempre escolhida pelo pai e as restantes pelo próprio. De acordo com as leis Massai, o homem que casa com mais mulheres é aquele que tem mais vacas. Um Massai disse-nos também que as mulheres não são escolhidas pela sua beleza, porque para eles isso não é importante, são todas bonitas. Elas, deixam a família, e vão para onde estiver a viver o marido (os massai são pastores nómadas, ficando apenas 4 a 5 anos em cada lugar). Casas pequenas, muito pequenas. Escuras (não é muito usada a janela para dar entrada à luz e ao ar... quer-se a casa quente, apenas). Feitas de palha, terra, excrementos de vaca. Não existem WC's, nem portas entre as divisões (poucas) da casa, onde dormem pais e filhos (no caso dos Massai, as crianças com mais de 5 anos dormem fora de casa, na casa de outra das esposas do pai, quando o pai dorme em casa). Sim, porque cada esposa tem a sua casa, e o homem dorme uma noite em cada casa. Recordo a impossibilidade de respirar naquela casa, dos Kikuiu, com a fogueira acesa lá dentro. Vi aquela senhora a preparar os grãos para uma futura refeição. As danças Massai à minha volta e os sons graves, penetrantes e assustadores dos cânticos entoados por eles, bem perto. Tão perto que custou a habituar-me, a sentir-me à vontade. Eles treinam os saltos (quem salta mais alto, mais facilidade tem de impressionar uma rapariga Massai). Aos 18, após a circuncisão, tornam-se guerreiros, matando leões e outros animais, para se assumirem como lutadores e homens capazes. Aos 22 anos podem então casar. Nós, tentamos não pisar os excrementos de vaca enquanto dançávamos com as senhoras Massai. Eles quiseram mostrar-nos como faziam fogo com dois bocados de madeira (que trouxe comigo, ao preço do ouro) e como os excrementos de elefante, que pegavam na mão sem qualquer problema e esfarelavam, eram óptimas acendalhas. Os trajes típicos, com Kikois (panos característicos), vermelhos (no caso dos Massai), os inúmeros colares, pulseiras e brincos feitos de missangas com mestria e esplendoroso detalhe... contrastam com os relógios que algum turista ofereceu, numa das visitas à aldeia. Por lá já não se vive com base no comércio de trocas. O dinheiro faz parte e o negócio também. Paga-se pela visita à aldeia e dentro da mesma está montado um verdadeiro mercado de peças feitas à mão com madeira, pedra, missangas, tecido... Mas faz parte. Precisam disso para sobreviver. O mundo hoje não permite que seja de outra forma.

Continuo o meu relato da viagem, talvez amanhã, isto porque há tanto para dizer que tenho de tentar gerir as palavras, os acontecimentos, os momentos... tudo de forma a conseguir não esquecer pelo menos o essencial. Foi tanto, e tão bom, que se torna muito difícil.

Kwaheri (adeus!)

Saturday, September 1, 2007

Querida concha...

Não sei quando.
(há sensações que simplesmente não conseguimos descrever nem explicar)
Essa dúvida, incerteza, esse desconhecimento... existe.
(mais brilhante)
E não vou saber. Nunca.
(pensar em estar aconchegada)
Apenas naquele dia.
(envolvida por um aperto forte)
E então deixarei de estar... sozinha.
(Observada, com meiguice)
Deixarei de ser... apenas eu.
(deixarei a solidão de lado)
Começarei a pensar... a dois.
(completar a parte que faltava)
Irei sentir... tudo.
(cheiro do perfume)
Já nem me lembro bem do que isso é.
(falo de sentir. falo da saudade.)



"Querida concha:

No mar existem muitas conchas. Umas bonitas e boas, outras más e feias.
Procurei as conchas boas, mas não as encontrei. Estavam partidas ou riscadas. Cortavam.
Até que um dia, a maré trouxe até mim um concha. Colorida e transparente.
Essa concha abriu-se e eu sentei-me lá dentro. Para sempre."

(O Guarda da Praia, Maria Teresa M. Gonzalez)