Monday, May 7, 2012

Enquanto enfermeira deparo-me todos os dias com dor e sofrimento e lido frequentemente com a morte ou a sua proximidade. Não querendo parecer "fria", uma pessoa de certo modo acostuma-se e aprende a compreender a naturalidade de todo o processo e a sua inevitabilidade. Mas, nem sempre é assim. Porque nem todas as mortes são tranquilas. E aí, sim, tudo muda... Hoje tive um dia difícil enquanto enfermeira. Hoje não contive as lágrimas enquanto o acompanhava porque a sensação de impotência foi devastadora. Não suporto ver pessoas a morrer com falta de ar, com dificuldade respiratória, com sensação de asfixia. São normalmente aquelas pessoas que nos últimos momentos nos colocam as perguntas mais difíceis, que mais conscientes estão de tudo, que não conseguem sentir-se bem de modo algum. Revolta-me ter estado nesta situação demasiado tempo quando existem formas de o aliviar. Revolta-me ter estado a seu lado, de mão dada, enquanto o tentava acalmar, garantindo que não estava sozinho... e apenas me dizia que não conseguia ficar calmo porque não conseguia respirar. Revolta-me que tenha estado assim mais de uma hora, enquanto o sangue lhe invadia os pulmões e o impedia de respirar. Revolta-me que apenas depois desse tempo a terapêutica adequada tenha sido posta em curso e finalmente, tenha conseguido ficar tranquilo, na companhia de quem toda uma vida permaneceu a seu lado, mesmo após a separação. Depois de tudo apenas algo me aliviou a sensação de vazio... saber que nunca esteve sozinho. Saber que quando apertava a minha mão à procura de algo, encontrou esse algo. E que quando eu lhe dizia "não se preocupe, não está sozinho", a sua mão apertava mais forte. Sinto que precisava da minha/nossa presença, e que estivemos lá. Mas como disse ao dr. P. no final, tudo se devia ter iniciado mais cedo... sem sujeitármos a pessoa a todo aquele sofrimento. Sei, através de uma colega, que até há cerca de 2 horas ainda estava entre nós, mas mantendo-se tranquilo. Espero que parta em paz e sem mais sofrimento. Obrigada por o que me deu, como tantos outros, sem se aperceber. Aprendemos às vezes com experiências que nos são intimamente muito difíceis... Hoje foi um desses dias.

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