Saturday, September 27, 2014
A palhinha do nariz do meu pai.
Tinha de partilhar a sua história. E a nossa história, consigo.
Homem jovem, dos seus 40 e poucos anos. Um primeiro internamento no nosso serviço conduz a biópsias para esclarecimento da situação clínica. Reservado, pouco comunicativo. Daqueles doentes que pouco interage connosco. Totalmente autónomo. Tem alta, regressando a casa para aguardar no seu conforto o resultado dos exames.
Dias depois é chamado de volta. Os resultados mostram o que não se desejava. É confrontado logo, de imediato, com um diagnóstico de cancro do pulmão com metástases em vários locais. O médico, o seu médico, o nosso médico, sem saber muito bem o que lhe dizer, como lhe dizer. A sua esperança de vida é curta. Muito curta. Muito mais curta do que queremos dizer. Depois desses poucos dias em casa aparece junto a nós já disfónico, com tosse constante e muitas secreções que não pára de retirar de dentro de si. A evolução foi rápida. Decide-se entubar para alimentação porque com tantas secreções e com a dificuldade que começa a ter a engolir, o risco de complicar tudo é grande. Falamos consigo. Compreende. Colabora como poucos na introdução, extremamente desagradável, de um tubo que entra pela narina e é conduzido até ao estomago. Inicia-se o modo habitual de alimentação - um pack de um líquido que se administra, durante uma hora, em perfusão contínua, cinco vezes por dia. No dia seguinte quando me aproximo pergunta: "posso beber água?". Questiono se quer beber pela boca. Diz-me que não. Refere que já foi bombeiro e que sabe mexer na sonda. Revejo os passos consigo e, realmente, não existem dúvidas ou dificuldades. Mudam-se os planos. Venha a dieta pastosa e deixe-se o senhor tratar disso. Sinto que essa autonomia o deixa contente. Leva, inclusivamente, o tabuleiro da alimentação sempre para o refeitório para comer, tal como os outros, lá. Que força interior lhe perscruto olhando-o na luta diária com um prognóstico tão difícil. Fala-me do seu filho, que ainda não tem 3 anos. Os seus olhos brilham. Por um lado, a alegria de falar nele. Por outro, embargados por lágrimas que se abeiram pelo pensamento de que não estará cá para o ver crescer.
Outro dia, já de saída. Cruzo-me consigo, no corredor. Está sentado ao lado da sua esposa. O seu filho corre de um lado para o outro repleto de gargalhadas e sorrisos, tão característicos da sua idade. Feliz. Olha para mim e diz-me: "é ele, este é o meu filho". Pergunto-lhe o nome, brinco com ele. A determinada altura a sua inocência de criança olha-me e a rir diz: "o meu pai tem uma palhinha no nariz". Brinco com a ideia. Nunca me teria ocorrido. Sorrio. Diz que o pai tem uma pulseira muito gira. Prometo-lhe uma igual num próximo dia e no dia seguinte entrego-lha, escrevo o nome do seu filho nela e a sua data de nascimento e digo-lhe "agora pode ter uma pulseira igual à do pai". Agradece, novamente com a lágrima no olho.
Hoje em casa, a passar uns dias com a família, até o corpo e a alma permitirem, espero que passe uns dias cheios... plenos daquele amor de família que é insubstituível. Estaremos cá quando precisar para o receber de novo se assim desejar. Para o acompanhar na fase final. Para permitir que seja um pouco menos difícil.
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