Wednesday, February 13, 2008

Morte... e qualidade de vida.

Ontem a morte deu lugar à vida... a qualidade de vida, pelo menos. E eu fiquei contente, apesar dos sentimentos ambivalentes inicialmente sentidos.
Encontrava-me a cuidar da higiene de um doente, quando uma colega me diz que o sr da cama x estava a falecer. Num curto espaço de tempo recordo a passagem de turno e aquilo de que me lembro sobre diagnósticos e antecedentes pessoais. Pergunto às minhas colegas: "esse senhor tem problemas do foro cardíaco, certo? Nada de problemas oncológicos ou infecciosos?" "Não", oiço do outro lado. Lembro então: "é um possível dador de córneas". É a minha luta pessoal desde que em Novembro assisti a um seminário sobre estas questões e me apercebi que temos um protocolo no Centro Hospitalar para doação de órgãos e córneas e que na maioria dos serviços pouco se sabe sobre o mesmo e quem sabe, na altura, não se lembra.
Olharam-me surpreendidas, pela veemência da minha afirmação. "Tem que se colher 2 tubos de Bioquímica para as análises". A minha colega substitui-me no que resta da higiene e vou ter com o senhor. Inicia-se a ambivalência de sentimentos: o senhor, nos seus últimos momentos, e eu com a necessidade de invadir a sua calma para melhorar a vida de outra pessoa. Quando me aproximo dele, já não está cá. Provavelmente acabou de falecer. Tento colher sangue. De via periférica torna-se impossível. Ligo para o Gabinete de Coordenação de Transplantes. De lá dizem-me que o sangue é essencial. Recomendam uma via central ou colheita intra-cardíaca. A Dra A. oferece-se para tentar uma femural, mas sem pulso, torna-se também impossível. Quando já comunicava que não seria possível, o Dr. Brotas ouve a conversa e diz "eu trato disso". Só a experiência e genialidade daquele homem para o fazer. Uma vez mais a ambivalência de sentimentos. Mas conseguimos. Inicia-se o encaminhamento. Não se encontra inscrito na rede nacional de não dadores. Pouco tempo depois um médico oftalmologista e a interna da mesma especialidade encontram-se no serviço. Dou apoio. E faz-se uma colheita aparentemente boa. Estou feliz. Muito feliz. Abri os olhos aos meus colegas, para a necessidade de se estar desperto para estas questões, fazendo-os perceber que sim, grande parte dos nossos doentes que falecem, estão ou infectados ou sofrem de uma doença oncológica, mas temos algumas pessoas que são potenciais dadores.Venci uma pequena batalha. Dei a alguém a possibilidade de ver o mundo com outros olhos... e de viver melhor. Senti-me bem com tudo isso. Mas não deixei de manter a ambivalência de sentimentos.

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