Olhar no espelho o rosto gasto pelos anos. As rugas percorrem-no como se a face não tivesse fim. Escondem-se nelas histórias contadas numa voz sussurrada, à volta da mesa. Crianças de olhos bem abertos escutam-nas e sorvem-nas. A velhice é tantas vezes solidão porque ninguém valoriza o que ainda aprendemos a ouvi-los. As gargalhadas que damos, o quão meigo é o seu abraço. A velhice é também muitas vezes outro mundo. Aquele que eles criam à sua volta, no meio do que esquecem e do que lembram, do que conseguem fazer sozinhos e daquilo em que precisam de ajuda. São hospitais, centros de saúde e farmácias. Porque estão doentes, porque precisam de medicamentos... porque procuram quem os ouça... porque são abandonados neles pelas famílias que se esquecem que se hoje são o presente e futuro, eles são o passado... o seu passado sem o qual eles jamais seriam presente ou futuro. Velhice pode também ser dor... a dor nos ossos, nos joelhos, nos pulsos... a dor de estar sós... a dor de não conseguir já fazer o que se quer sem recorrer a mais alguém. São os netos, a correr desenfreados à sua volta, pedindo colo. Os natais à cabeceira da mesa, de lágrima no olho, ao ver toda a família reunida, mais uma vez. A tosse que não passa, o braço que não mexe "desde que me deu aquilo... a trombose". É o dia pendurados à janela, sabendo sempre quando é que os vizinhos estão ou não em casa e com quem eles saem ou entram. As chaves de casa atiradas da janela para o enfermeiro que vai lá a casa fazer o penso da perna. Dias longos, numa cama, na escuridão de um quarto cheio de memórias e vazio de esperança. É querer ter prioridade no autocarro. É fazer tudo o que os netos querem e que nunca se fez pelos filhos (agora é a vez dos pais imporem os limites). Podem ser também chatos, como qualquer outra pessoa pode ser chata. São as viagens pelo Inatel, qual grande aventura. As danças nos arraiais e bailaricos de Sto António do casal que já o é há 50 anos e que ainda se olha nos olhos quando dança e que ainda dá as mãos quando caminha pelas ruas da cidade. É ver que as pessoas que fizeram parte da nossa vida vão deixando de andar por cá, pouco a pouco, e perceber que o tempo não pára... nem nos deixa para trás.
A velhice é experiência de vida. A minha maior admiração para quem já viveu tanto, viu tanta coisa, boa e má, sofreu, amou, lutou... e ainda tem força no final do dia para continuar por cá amanhã. Aos velhinhos que cuido, aos que se cruzam comigo na rua, aos meus avós, aos avós dos outros... porque de vez em quando vale a pena lembrar que são importantes. Obrigada por serem o passado que me deu este presente... e obrigada por neste presente serem uma fonte de inspiração para o meu futuro.
Há uns anos atrás, enquanto fazíamos o Curso de Monitores de Colónias de Férias, durante um jogo que decorria pela Vila do Crato... um momento delicioso, do encontro de duas gerações.
O passado e o futuro em conversa...
porque não pode ser de outra forma.