Toca o telefone no meio do turno, na hora em que estamos a dar a medicação. Do outro lado a assistente social identifica-se e logo de seguida pergunta se temos o telemóvel dele, que poderá ter ficado no serviço antes dele ser transferido. Questiono-me o porquê dessa procura. Do outro lado a dura verdade "é que ele está lá, em morte cerebral, e não conseguimos contactar os familiares através dos números que ele nos tinha deixado". Nem consigo pensar bem. Lembro-me de ti a "deambular pelo serviço". Das tuas fases boas e das menos boas, em que com dores, e talvez algo mais, ficavas agressivo e mal-educado. Dos vários internamentos. Das gargalhadas no dia da Eurovisão porque a cantora que representava o teu país até era interessante. De como eu te dizia que havia sítios melhores para passares férias do que aqui, enquanto sorria. Da conversa, pouco tempo antes de seres transferido para seres operado, em que mostraste medo, medo esse que nunca tinha visto em ti. Tu sabias, bem lá no fundo, sabias. Falaste de mudar de vida, que depois tudo seria diferente, que irias lutar por uma vida melhor (não sei se acreditei em ti então... mas quis acreditar, todos queríamos). Só que o teu futuro pregou-te uma partida e colocou-te numa cama, ligado a máquinas, até se verificar sem qualquer dúvida aquilo que já se sabe. O teu futuro já não existe. A vida não te deu mais uma oportunidade. Eu gostava de te ter voltado a ver, de pé, sorridente e sim... finalmente a mudares o rumo da tua vida de uma vez por todas. É mais uma história, de muitas, que fica por escrever. O fim dela, esse, chegou demasiado cedo, demasiado rápido, demasiado definitivo.
... porque, às vezes,
o livro da vida não
tem tantos capítulos
como desejaríamos.
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