Regressei ontem, depois de 12 dias do outro lado do Atlântico.
Cuba é um país que me fez pensar, sentir, questionar. Como dizia o primeiro guia que tivémos: "temos o Mundo e depois temos Cuba". Mas comecemos pelo início.
Cuba é salsa, son e merengue. Sim, aquelas danças de dois corpos que fluem divertidos, enérgicos, vivos.
Calor... aquele calor abafado, húmido, que nos faz transpirar até durante o banho, que nos deixa pegajosos.
Pobreza. Aquela de ter pouco para comer e vestir, de ter uma casa sem condições, de ter menos que o indispensável para viver. Mas também da mente. Viver sem conhecer outras vidas, outras formas de pensar o mundo. Presos num mundo fechado a outros mundos. O vício de pedir... dinheiro, roupa, canetas, rebuçados.
É "pollo con arroz y frijoles" ou para variar "cerdo con arroz y frijoles".
É má atenção ao cliente e péssimos serviços hoteleiros. Para ser realmente bom, só mesmo nas redes hoteleiras internacionais.
É silêncio. Em relação à situação social e política. Não se fala de algumas coisas. Sente-se a tensão e o medo quando se tenta fazê-lo. Ouve-se sussurrar cada vez mais baixinho.
É ditadura. Fala-se da liberdade do povo e da revolução. De conquistas e vitórias. De tudo para todos, de forma igual. Mas continua a existir quem mande e viva melhor que o resto da população. As cidades, grandes, coloniais, imponentes... estão velhas e degradadas e nada se faz para as recuperar (e deviam ser belíssimas há 50 anos atrás). Os cartazes de apoio ao regime estão espalhados por todo o lado... o rosto do Che é presença habitual... diz-se que o seu exemplo nunca será esquecido. Defende-se que a revolução está viva e cheia de força.
Deparo-me com um cartaz que diz "servir es la mejor manera de hablar" (servir é a melhor maneira de falar)... e questiono-me se será assim tão diferente da frase "o trabalho liberta a mente" colocada em diversos campos de concentração durante o extermínio nazi. Concluo que tudo o que é extremo, é mau. Se não há liberdade como podemos falar de revolução, de qualidade de vida, de igualdade?
Cuba e as suas contradições.
Cuba é mar... azul, verde... imenso. Quente. O Atlântico e o Caribe. Suave.
É rum. Daquele que arde na garganta e aquece o pensamento. Para eles, cubanos, a melhor forma de matar a sede. Na verdade até sai quase ao mesmo preço da água engarrafada!
É escola e crianças fardadas. Sim, lá estuda-se e, aparentemente, com qualidade. Não dos edifícios, que tal como o resto, estão velhos e sem condições, mas de recursos humanos. Assim como na saúde, que também é gratuita e universal, com garantias de um bom atendimento.
São as chuvas tropicais, que caem repentinamente... fortes, intensas. Que enchem ruas e edifícios e param no minuto a seguir. E furacões, que passam por lá várias vezes no mesmo ano, e para os quais o país e as suas gentes estão bem preparados. Fecham-se edifícios, evacuam-se as pessoas, distribuem-se mantimentos. Tudo de forma organizada, sem grandes alaridos ou alarmes desnecessários. Retoma-se depois a vida, rapidamente. Pude assistir a tudo isto também.
Prostituição. Turismo sexual. Evidente, bem visível, chocante. Nos hotéis é habitual ver turistas (homens e mulheres) com companhias cubanas a quem pagam ao fim do dia ou dos dias em que estão com elas. Raparigas e rapazes novos, heterossexuais e homossexuais. Nos bares, à noite, paga-se por uma dança, por um carinho, por uma companhia... por uma noite. Eles ou elas oferecem-se como objectos e são tratados como tal, ainda que se processe tudo como se de longas conversas se tratasse.
São carros. Antigos, coloridos e muito estragados. Como aquele em que andamos depois de uma noite de dança. Uma das melhores viagens de carro que já fiz! :)
Cuba foram 9 pessoas, amigos, que partilharam mais mil momentos que nunca esquecerão. Não é fácil que sempre corra bem... e com vocês, acontece! Vocês são uma benção na minha vida.
E foram mais 6 pessoas que conhecemos. A Argentina representada pela 3ª idade que envergonhou os jovens pela sua energia e força de viver, quando deitávamos a língua de fora ao subir umas simples escadas. Que chorou a separação. Que nos ensinou, mais uma vez, que o cruzar de gerações não só é possível como enriquecedor a todos os níveis. Que nos mostrou que amar durante 57 anos é possível e que o festejou connosco. E Espanha, representada por um casal de Madrid e duas primas galegas, que nos acompanharam em noitadas, jogos de cartas e cantorias no autocarro.
Cuba é um país parado no tempo. Uma realidade afastada do mundo em que vivemos. Cuba vai ser muito diferente daqui a 50 anos... gostava de a ver então.