Passaram já 25 anos. Percebo, Espírito, quando dizias que é um ponto de viragem, que não sabemos bem se havemos de festejar. É o tempo de pensármos a nossa vida, olhar para trás ao tempo que passou a voar. Ao bom, ao mau.
A infância, lá longe, feliz. Em terras pequenas que me ensinaram o valor das pequenas coisas. Pessoas boas, simples, sem marcas, cinismo, vaidade. Do campo, mãos calejadas, apenas "uns trocos" no bolso e, no prato, a comida trabalhada nas suas hortas. É diferente, lá vive-se de forma muito diferente. O ar é mais leve e uma criança corre sem medo, brinca na rua até tarde e olha pela janela para a casa do seu melhor amigo, mesmo ali em frente. A sala de aula, essa, aquecida por um fogão antigo, a lenha... enorme, de tectos altos e chão de madeira antiga.
A família, sempre, pai, mãe e irmão. E o Porto, o resto da família, os Natais, as Páscoas e o S. João. Aqueles pedaços de mim em cada um desses dias... Braga, Barcelos. As gargalhadas, correrias, concursos, desportos. Aventuras que criávamos com um pouco de espaço e muita imaginação.
Passaram-se os anos. Passou-se uma fronteira, cruzou-se um país, aprendeu-se uma nova língua e experimentou-se uma nova cultura.
A adolescência num meio muito diferente. Já em Lisboa, numa escola onde já se via e sentia o peso do dinheiro... onde não era andar de bicicleta ou jogar futebol na relva molhada que trazia o brilho nos olhos, mas o sair à noite, com 13 anos. Eu, maria-rapaz, e com pais que não viam com bons olhos discotecas para crianças, queria era futebol... antes, durante e após as aulas. Tinha jeito e ainda hoje as minhas canelas reflectem o meu empenho... qualquer toque dói, porque levaram muitos toques ao longo desses anos.
Aquele amor de verão... o primeiro, à primeira vista. Curioso. Olhámo-nos e sabíamos que tinha de ser. Eu, a nossa inocência, ele. E que saudades do amor inocente, que dá um nó na barriga e provoca um risinho parvo acompanhado de uma afluência sanguínea anormal às bochechas...
E a faculdade. Uma mudança enorme na minha vida, um descobrir de mim própria, dos outros e da essência de sermos e estarmos juntos. Amizade, conquistas de pequenas grandes coisas, ultrapassar de medos, confronto com uma realidade dura para alguém com 18 anos. Morte, dor e sofrimento. E dar-lhe um sentido, ajudando outros a conseguirem também fazê-lo. Amor, também, intenso, mais maduro, mas muito doloroso. Sentir o céu e o fundo escuro do mar de um momento para o outro, e ter dificuldade a vir, novamente, à superfície. Mas construí bóias, que nunca me deixaram afogar. Hoje e sempre, a meu lado. E comigo mesma, uma força que me desconhecia. E aqueles encontros e desencontros, aqui e ali, porque a vida é para viver e não me apetecia que me passasse ao lado. O curso e a experiência de ser monitora de colónia de férias, que adorei, que vivenciei com alegria, vontade, boa disposição. A Associação de Estudantes e o jornal, como não? Escrever, escrever, escrever... O Teatro e ser outro, ser mais, ser diferente.... e mostrá-lo, grande prova a um "eu" que tinha receio. Os estágios, os trabalhos, os doentes e os seus momentos, que marcam, mais ou menos. Os meus pais, que vão para a Suiça... uma autonomia antecipada. Erasmus, experiência inexplicável em tantos sentidos. O que me deu, enquanto pessoa, amiga e profissonal. Que me trouxe novas noções do mundo de sensações que nos rodeiam. Que me tornou mais independente. Brasil, em grupo, grande grupo, depois de 4 anos, merecido. A monografia e a procura de emprego.
Começar a trabalhar... sensação agri-doce... um salário, um "já sou enfermeira", uma enorme responsabilidade. Mas um passo gigante para pequenas pernas que mal tinham aprendido a caminhar... cansaço, estudo, empenho. Mudança de estilo de vida. E as viagens, tantas e tão boas, a partir daí... os lugares maravilhosos com pessoas que são hoje, mais do que nunca, "o meu outro eu". Momentos positivos e negativos, dolorosos por vezes, muito compensadores também. De tudo um pouco. E o conforto de ter pessoas na minha vida, que me fazem bem. Orientar alunos e orientar-me a mim própria, na procura de mais e mais saber.
A Noa, e tudo o que um momento assim nos dá.
25 anos que passam, o que decidimos não fazer e o que não deveríamos ter feito (ou não). Aquilo que traçámos como objectivos e que não alcançámos. O que temos hoje que nunca pensámos ter antes. O esperado, o desejado, o concretizado, o que se aguarda que um dia, talvez, aconteça.
A vida é uma caminhada longa, sinuosa... e muito curta ao mesmo tempo. Ainda ontem eu...
e hoje?...