Saturday, July 3, 2010

Ao sr. P.

Cheguei hoje aqui ao serviço e a tua cama está vazia. Sim, sei que partiste ontem, ainda comigo aqui, mas ontem não me despedi de ti, ou melhor... acabei por o fazer, em silêncio, logo de manhã, quando me apercebi que nos irias deixar em breve. Mas hoje não estás e algo é estranho, incomodativo, ao olhar o teu lugar de tanto tempo vazio.
Tu decidiste desistir. Para nós, inicialmente, foi complicado percebê-lo. Começou por não tomares os medicamentos, depois por não comeres, depois já não te levantavas... A nossa insistência inicial, em que cheguei a passar uma hora contigo convencendo-te a comer, em que me olhavas como que detestando-me e me empurravas... depois compreender que só comias quando quisesses e aceitá-lo.
A tua situação, paliativa, fazia prever este desfecho, mas vi-te piorar, enfraquecer. Creio que há três dias atrás quando me agarraste o braço e me olhaste profundamente, directamente, sem receios, tentando dizer algo que não compreendi, te despediste... sinto que esse olhar foi um "obrigado".
Sei que quiseste lutar, por nós e, sobretudo, pela tua família... fizeste-o até não conseguires mais. No fundo, creio que insistimos porque te sabiamos um homem forte e com garra. Agora percebo que há também que ser muito forte para aceitar que a nossa hora chegou e mostrá-lo aos outros, fazê-los entender, dar-lhes o tempo para que tal sucedesse e, depois, partir.

Viver o impossível,
crescer com o inimaginável.

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