De volta. A realidade do dia-a-dia, do quotidiano, do stress de andar por cá à corrida, tratando de mil e uma coisas...
Dias intensos esses vividos nestas férias. Quénia o destino escolhido. Eu e mais cinco raparigas, amigas daqueles tempos de faculdade, enfermeiras desejando um período de repouso e tranquilidade, de aventura e descoberta.
Não sei como descrever aquele país. Qualquer coisa que vá dizer daqui, até ao final do post, será insuficiente, escassa, pequenina demais.
O primeiro impacto de estarmos rodeados de pessoas com uma cor de pele diferente da nossa, a toda a hora, em todos os lugares... de sermos nós a minoria. Perceber que existem receios, preconceitos, medos... enraizados em nós por uma cultura e uma forma de pensar que nos abafa. Perceber que nenhum deles faz sentido e que lá me senti tão bem como cá. Relacionar-me com aquelas pessoas de olhos negros, grandes. De sorrisos gigantes. O adeus das crianças na rua, por razão nenhuma, apenas como forma de saudação, sem mais (e o nosso olhar embevecido do outro lado da janela). Aquele menino pedindo dinheiro em Nairobi, à saída do supermercado, de onde saímos depois de comprar o nosso almoço por lá. O gelado que lhe dou e a imagem dele a lambuzar-se todo, feliz. As crianças ao colo ou às costas das mães, embrulhados em lenços, protegidos por aquele calor que apenas uma mãe pode dar. A insistência, chata por vezes, de quem nos quer vender tudo e mais alguma coisa... o "let's do business", de caneta e papel na mão, onde escreviam preços exorbitantes que logo desciam drasticamente com a nossa contra-proposta... "you give your number and we'll negociate". As pessoas palmilhando kilómetros a pé, para o trabalho, para casa, sem rumo. Formas de vestir demasiado ocidentalizadas que não combinam com tudo o resto. As bicicletas, grande meio de transporte por estradas demasiado esburacadas e poeirentas.
Depois um mundo completamente diferente (ou talvez não tanto, apenas mais agarrado às tradições de sempre). O das tribos e dos membros das mesmas que ainda vivem de acordo com os seus hábitos mais antigos. Existem 42 tribos diferentes no Quénia. Mais de perto, conheci a realidade dos Kikuyu e dos Massai. Polígamos, os homens casam com várias mulheres ao longo da vida, sendo que a primeira é sempre escolhida pelo pai e as restantes pelo próprio. De acordo com as leis Massai, o homem que casa com mais mulheres é aquele que tem mais vacas. Um Massai disse-nos também que as mulheres não são escolhidas pela sua beleza, porque para eles isso não é importante, são todas bonitas. Elas, deixam a família, e vão para onde estiver a viver o marido (os massai são pastores nómadas, ficando apenas 4 a 5 anos em cada lugar). Casas pequenas, muito pequenas. Escuras (não é muito usada a janela para dar entrada à luz e ao ar... quer-se a casa quente, apenas). Feitas de palha, terra, excrementos de vaca. Não existem WC's, nem portas entre as divisões (poucas) da casa, onde dormem pais e filhos (no caso dos Massai, as crianças com mais de 5 anos dormem fora de casa, na casa de outra das esposas do pai, quando o pai dorme em casa). Sim, porque cada esposa tem a sua casa, e o homem dorme uma noite em cada casa. Recordo a impossibilidade de respirar naquela casa, dos Kikuiu, com a fogueira acesa lá dentro. Vi aquela senhora a preparar os grãos para uma futura refeição. As danças Massai à minha volta e os sons graves, penetrantes e assustadores dos cânticos entoados por eles, bem perto. Tão perto que custou a habituar-me, a sentir-me à vontade. Eles treinam os saltos (quem salta mais alto, mais facilidade tem de impressionar uma rapariga Massai). Aos 18, após a circuncisão, tornam-se guerreiros, matando leões e outros animais, para se assumirem como lutadores e homens capazes. Aos 22 anos podem então casar. Nós, tentamos não pisar os excrementos de vaca enquanto dançávamos com as senhoras Massai. Eles quiseram mostrar-nos como faziam fogo com dois bocados de madeira (que trouxe comigo, ao preço do ouro) e como os excrementos de elefante, que pegavam na mão sem qualquer problema e esfarelavam, eram óptimas acendalhas. Os trajes típicos, com Kikois (panos característicos), vermelhos (no caso dos Massai), os inúmeros colares, pulseiras e brincos feitos de missangas com mestria e esplendoroso detalhe... contrastam com os relógios que algum turista ofereceu, numa das visitas à aldeia. Por lá já não se vive com base no comércio de trocas. O dinheiro faz parte e o negócio também. Paga-se pela visita à aldeia e dentro da mesma está montado um verdadeiro mercado de peças feitas à mão com madeira, pedra, missangas, tecido... Mas faz parte. Precisam disso para sobreviver. O mundo hoje não permite que seja de outra forma.
Continuo o meu relato da viagem, talvez amanhã, isto porque há tanto para dizer que tenho de tentar gerir as palavras, os acontecimentos, os momentos... tudo de forma a conseguir não esquecer pelo menos o essencial. Foi tanto, e tão bom, que se torna muito difícil.
Kwaheri (adeus!)