Voltei do paraíso. Um paraíso natural que é nosso. Português. Uma terra, um solo, um céu e um mar que falam a mesma língua, ainda que com um sotaque diferente. Vim de S. Miguel, Açores, ontem. E vim maravilhada.
Encontrei por lá pessoas de sotaque cerrado, cantando quando nos falam, honradas por viver naquela terra de que tanto se orgulham. Gentes de uma simpatia imensa, sempre prontas a ajudar. Pessoas perdidas em pequenas aldeias de onde nunca saíram, conhecendo apenas aquela pequena (grande) realidade. Pastores, pescadores, donos de comércios.
A gastronomia essa... também superou qualquer expectativa. Cracas, lapas, búzios, pimenta moída, queijos, pão lêvedo, linguiça, morcela... o cozido das furnas. Sabores diferentes, de origens diferentes. O salgado do mar com o salgado da terra. Sempre de travo forte, mas prazeiroso.
E as paisagens. Como descrever a sensação de descer a Lagoa do Fogo, olhar à volta e não ver nada mais do que céu, a lagoa, o verde envolvente e as minhas companheiras de viagem? Como descrever essa sensação de relação com a natureza? Como descrever o som das gaivotas, das árvores que se movem com o vento, das cabras, lá longe, provavelmente levadas por um pastor por esses prados fora? Como descrever a sensação de não ouvir carros, de não ver fumo de escape, de não ver casas ou prédios? Não se descreve. Sente-se. Sente-se enquanto estou ali deitada, na praia, absorvendo tudo isso. Enquanto o sol me bate na cara ou teima em esconder-se atrás das nuvens. Enquanto mergulho os meus pés naquela água ou como a minha sandes ali, no meio daquele nada... imenso, estonteante, cheio de tudo o que nos escapa tantas vezes no nosso dia-a-dia.
E a lagoa das sete cidades? Nós, que a conhecemos em todas as suas perspectivas enquanto percorríamos os 20 km que nos permitiam dar a volta à mesma. Dizem que são lágrimas que a encheram. Alguém chorava em verde. Alguém em azul. Tudo por amor. Não sei nada relativamente a essa lenda. Sei apenas que é outra maravilha da ilha e que muitos apenas a conhecem do miradouro de Vista do Rei. Ela é muito mais do que aquilo que se vê dali. É a calma ao almoço, a seu lado. A dureza de se descer até ela para a apreciar mais de perto. É a possibilidade de não conseguir, de pensar que aquele caminho nunca mais acaba e que, ficando por ali, ninguém passará para nos levar.
As cidades, vilas e aldeias. As igrejas, sempre. Centenas delas. A fé, inabalável, do povo.
O pedaço de mundo ali mesmo, no Salto do Prego. Envolta em densa vegetação, uma cascata deliciosamente intocável. O som da água a cair vertiginosamente lá de cima, sem controlo. Nós, bem pequeninas, ali paradas a olhar, sentadas nas pedras escorregadias que a envolvem.
A água quente das caldeiras, daquela actividade vulcânica imparável. Na Caldeira Velha, Ponta da Ferraria, na Poça da Beija, na piscina do Parque Terra Nostra. Amarela, férrea... se está quente é porque por baixo de nós a terra não pára. Achamos que somos donos dela mas afinal, ela é que nos possui. E aquilo que nos dá um imenso prazer hoje, poderá causar grandes danos amanhã. A natureza, essa sim, é que controla tudo.
Os almoços em locais belíssimos. As sandes, saladas, misturas... ao lado de uma lagoa, de um mar gigante, de açorianos que nos querem mostrar como é bom viver ali.
Os stresses... o carro, o escape, a chave. A conta final e isso que agora não interessa nada. Já passou.
É a minha terra natal. Nasci no meio daquelas caldeiras, daqueles sons e cheiros, daquelas cores. Não falo com sotaque (infelizmente), não me lembrava de nada, não tenho lá família. Mas orgulho-me de ter nascido lá. Hoje ainda mais porque conheço.
Sei hoje, melhor do que nunca, porque foram aqueles 9 anos os melhores anos da vida dos meus pais.
E recordo de novo a sensação da Lagoa do Fogo. Inspiro. Hoje voltei a tocar e sentir um pouco do paraíso. Basta fechar os olhos, escutar, sentir o arrepio a percorrer os meus braços. Sei que estou lá de novo. E sei que irei voltar.
Welcome to heaven...