O adeus definitivo. A si, que nos deixou, há menos de duas horas atrás. Homem de garra, cheio de energia e vontade de viver. A sua vida colocou-o perante inúmeros obstáculos que foi superando, em todos os momentos, com um sorriso na cara e uma vontade tremenda de ver o amanhã. Foi a vinda para um país estranho, o assumir da sua sexualidade, o diagnóstico de VIH +... No entanto, nunca houve, a seu ver, razões para desistir, para baixar os braços e virar a cara. Atlético, dizia que o ginásio e o desporto eram dois dos seus melhores amigos. Sempre acompanhado por quem referia ser o seu "patrão", que o tratava e a quem tratava com enorme carinho, contagiava tudo e todos. De repente, mais um obstáculo. Cancro. A palavra que corrói, fere, dói por si só... sem dor. Metástases cerebrais... muitas. Ainda assim saiu de sorriso na cara e a certeza, talvez já não dita com a mesma convicção, de que tudo estava bem. Antes, ainda uma carta, ao seu médico, dizendo que se um dia algo corresse mal ("que não vai correr, tudo vai ficar bem", dizia), ficando dependente de terceiros, não queria continuar a viver. Duras palavras, fortes certezas. Regressou há uns dias atrás. Ainda no corredor, à chegada, dirigi-me a si com o maior dos sorrisos (mesmo sabendo que o que o trazia cá não me fazia, no fundo, sorrir)... deitado na maca olhou-me. Esboçou um enorme sorriso e disse "Isabel". Peguei-lhe na mão, perguntei como estava. Tirou o gorro que trazia posto. A ausência de cabelo, em si, que prezava a sua imagem jovem, bonita, cuidada... no cimo dos seus 37 anos. Passei-lhe a mão pela cabeça e exclamei que o novo penteado lhe ficava bem. Sorriu. Já na cama, a ausência de forças fazia-o depender de nós para muita coisa, mesmo que a sua cara implorasse o contrário. O seu "patrão"... sim, hoje com todas as palavras, o seu companheiro, de uma atenção extrema, de um amor incondicional, de uma presença constante. De lágrimas no adeus, ao longo do corredor que separa o estar e a incerteza de voltar.
Hoje falou-me. Disse-me que não tinha dores. Bebeu a sua água e não quis comer. Disse que estava a respirar bem (ainda que tudo apontasse para o oposto). Sorriu, como sempre. Ergueu o dedo polegar quando lhe perguntei, depois de o posicionar, se se sentia bem assim. Adormeceu. Hoje, às 2h05 levantei-me da mesa onde escrevo os registos e disse para o meu colega: "vou ver como está o sr F.". Algo me dizia que o sorriso tinha sido o último e que quando ergueu o polegar foi para me dizer que estava tudo bem, sim, porque a sua hora tinha chegado. Em paz. Num sono profundo, indespertável.
O telefonema ao médico. E depois o telefonema ao seu companheiro. Em lágrimas, pouco me conseguiu dizer. Apenas que não era capaz de vir cá. Ofereci-lhe o nosso apoio, a nossa presença, o "estamos aqui". Garanti-lhe que tinha sido calmo.
Na verdade, não estava capaz de mais. Não consegui tratar de si depois e o meu colega prestou-me essa ajuda. A minha despedida foi aquele último sorriso. É assim que o recordo. Cheio de energia. Fico feliz apenas porque aquilo que mais temia, durou pouco.
Até sempre!
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