Cheguei agora a casa, depois de mais uma noite de trabalho no hospital. Ontem tive um dia muito complicado. Começou cedo, por volta das 6h, o que de imediato me deixa de rastos quando sei que tenho de ir fazer noite nesse dia e não tenho tempo para descansar. Doía-me a garganta, sentia-me doente. Saímos de casa rumo ao teu funeral, ao silêncio das pessoas entorno de um caixão fechado, à tristeza na face das pessoas que te queriam bem, mesmo depois de tudo. Foi duro ver algumas coisas, percepcionar alguns sentimentos nos outros que me emocionaram e me impediram de me conter. Saio e respiro fundo. Fico comigo mesma e a minha cabeça começa a funcionar a mil à hora. Lembro outros momentos, outras pessoas, histórias similares de vidas que se perdem muito antes da morte física. Não gosto de funerais e velórios, daquele ritual pesado de se estar a chorar alguém que partiu. Tenho dificuldade em lidar com estes momentos. Prefiro a despedida dos últimos momentos, a das palavras que ainda se podem dizer e serem escutadas, do toque que ainda se pode dar e ser sentido. E vê-lo, silenciosamente a um canto, com a lágrima percorrendo-lhe a face, lembrando que poderia ter sido ele se um dia não tivesse dito "basta". Foi chorar muito, demais, sem conseguir explicar muito bem porquê, quando estava longe de todos. Depois foi almoço rápido, descanso curto no sofá e ir buscar a minha sobrinha. Levo-a um pouco à praia, aproveitando o calor e o sol que decidiram dar o ar da sua graça. Estou exausta e exiges toda a minha atenção. E sentir a tua falta, vontade de saber de ti... e não ter qualquer feedback. Chegar a hora de sair de casa, para trabalhar, e sentir que um camião passou por cima de mim. São 21h30 e sei que apenas por volta das 10h estarei em casa. Rumo a um serviço que não tem estado fácil, com doentes complicados, confusos, que pouco colaboram nos cuidados, previa uma noite caótica. Aviso logo à chegada que não serei boa companhia. Descarrego também um pouco em ti, por mensagem... (desculpa...) e não obtenho resposta. O turno não decepcionou e foi realmente muito trabalhoso, com um cenário dantesco às 5h30 da manhã, qual massacre do Texas em pleno serviço. O sangue espalhado por todo o lado, ele aos gritos, fazer tudo de novo outra vez. Mas chego a casa francamente mais bem disposta do que estava e pronta para usufruir do conforto do meu quarto e do aconchego da minha cama para recuperar um pouco as horas de sono perdidas... com vontade de o partilhar também, mas sabendo que não é possível, vou tranquila dormir. São 10h30 e o meu dia começou ontem às 6h...