Friday, November 9, 2007

Madrid, 11 de Março de 2004

Recupero este texto porque não devemos esquecer. Tive amigos que nesse dia, por acaso, não apanharam o comboio que passava pela Atocha... por acaso. Mas podiam ter apanhado. E eles não, mas outros apanharam. Por eles, por esta loucura que reina este mundo, porque nada disto faz sentido... reponho este texto.


"Um dia coberto de negro porque alguém se lembrou de gritar alto, muito alto. Lágrimas que escorrem pelas faces de quem ficou surdo com o grito. Basta! Ouve-se em todo o lado, um pedido desesperado. Caos, fumo, destruição. “Hoy somos todos madrileños”. A dor é única e é universal. Suspiros intensos, roucos tormentos. A morte. Encontra sempre alguém no seu caminho. “O balanço são 200 mortos e 40 milhões de feridos”. E um país inteiro que chora a perda. Sensação de injustiça, de guerras que se travam sem razão. Desolação. Em nome de algo superior. Luta-se. Mata-se. E a vingança recai sobre aqueles que não sabem que uma bala é feita de chumbo, que uma bomba explode. Não conseguimos destruir o chumbo. Quando há uma explosão apenas conseguimos apagar o fogo. A vingança recai sobre aqueles que não compreendem que existem mentalidades feitas de chumbo que despoletam tremendas explosões. Respira-se receio. Anseia-se pela normalidade que não existe. Espera-se que o fumo levante para encontrar, depois, corpos estendidos. Inertes. Frios. Procura-se a identidade perdida. Bandeiras a meia haste. Pessoas cobertas de luto. Procissão de caixões… um atrás do outro, atrás do outro, atrás do outro… Cartazes brancos com apelos ensurdecidos pelo silêncio. Imagens incessantes na televisão. Listas de nomes ou de pessoas reduzidas a tal. Ou a cinzas. E a certeza que o mundo está louco. Um mar de gente que o sabe. Transparece no olhar dos que, já fartos desta loucura, se sentem presos a ela. Condolências. Preto por todo o lado. O branco que invade as ruas. Declarações sentidas. Angústia. Funerais. Protestos. Manifestações. E no entanto o fumo ainda não desapareceu, a destruição ainda é visível, a dor ainda se sente, o medo ainda existe. E tudo se calará de novo, quando alguém gritar, outra vez, alto, muito alto.

(Em memória de todos aqueles que não compreendem a loucura mas que vivem no meio dela. De todos aqueles que não percebem o chumbo ou as explosões. De todos aqueles que perderam a identidade, o sorriso, a vida. E para recordar a todos aqueles amigos que não apanharam aquele comboio naquele dia porque havia greve, que todos os segundos que temos para viver, são os melhores da nossa vida.)"

(13/03/04)

1 comment:

jakín said...

Lembro-me de ter lido este texto algures...da tua autoria, suponho...porque o traço é praticamente inconfundível...
Poderoso, envolvente, cativante, assustador..