Saturday, May 3, 2008

Fotoadrenalina no Deserto - Marrocos 08

Começou no dia 25 de Abril de 2008 mais uma expedição da Fotoadrenalina, desta vez ao Deserto (Marrocos).

Decidi inscrever-me, com mais umas amigas, mas sem grandes referências do trabalho realizado por este “grupo” (desculpa Vítor, mas isto tem, inevitavelmente, de ficar entre aspas). Marrocos era também um país do qual já tinha ouvido um pouco de tudo – era perigoso, era deslumbrante, era maravilhoso para compras, era… No fundo, não tinha grandes expectativas, mas como um dos maiores prazeres que tenho na vida é viajar, decidi ir.

Esta expedição foi então um misto de sentimentos, vivências, momentos… todos eles guardados na melhor das máquinas fotográficas que existem no mundo – a nossa memória. Mas sim, não fosse esta uma expedição fotográfica, todos eles também captados, através das diferentes perspectivas e diversos olhares, nas máquinas que cada um de nós levava.

Foi então cor. A cor da terra, aquele “terrakota” que para sempre ficará associado às casas de Marrakech, às aldeias por onde passámos. A cor das diferentes especiarias vendidas na praça de Jemaa el-Fna. Das laranjas perfeitamente encaixadas entre si à venda na mesma praça, em forma de sumo. O amarelo do deserto, a perder de vista. O azul do céu por cima de nós. O preto da noite, apenas quebrado por aquele pontinhos brancos, dispersos, chamados estrelas. Aquela palete de cores da Medina… dos sapatos, colchas, tapetes e colares que por lá se vendiam.

Foi também cheiro e sabor. O cheiro da comida condimentada, intenso, que apelava a uma garfada… e o sabor da mesma. Os tajin, as brochettes, os sumos de laranja, o pão marroquino, o “whisky berebere”. Os cheiros dos mercados. O cheiro da pedra trabalhada naquela fábrica.

Foi esquecer tudo o que aprendemos sobre cuidados com a alimentação, ou melhor, com a higiene na preparação e conservação dos alimentos. Carne exposta ao sol e a outras coisas, comida feita com as mãos sujas, batas brancas (ou não) que nos servem, vegetais duvidosamente lavados (mas tudo, sempre, demasiado saboroso para se poder resistir).

Foi deserto. O calor, a imensidão. Os pontos pequenos avistados, pessoas que caminham por ele. Dores musculares que permanecem, após 2 horas no dromedário, mas o analgésico da mente, apenas porque era divertido. As tendas, fustigadas pelo vento e pela areia, onde dormimos. O jantar, à luz das velas, onde estavam todos mais preocupados com a ausência de WC do que com o sabor da comida (que estava deliciosa, por sinal). A saída em grupo (feminino), para urinar à frente dos dromedários, escondidas pela noite. As gargalhadas nas tendas. O medo disfarçado de que algum escaravelho nos visitasse durante a noite.

Foram as crianças a correr para a beira da estrada, acenando sorridentes. Os pedidos de dinheiro, canetas e rebuçados com a mão estendida. A pele escurecida pelo sol, pelo pó e pela terra.

Foram as mãos cobrindo a cara perante uma fotografia, daquelas mulheres e crianças que receiam a exposição.

Foi o contraste com a nossa realidade cultural. Os lenços cobrindo o rosto, os lenços cobrindo todo o corpo. A ausência das mulheres nos locais de lazer. A figura dominante do homem.

Foi aquele som ecoando na cidade, que parece silenciar-se para o ouvir. Apelo ao tempo de oração. Estendem-se aqueles pequenos tapetes e inicia-se um momento de encontro consigo e com algo superior – nas lojas, nos aeroportos, no mercado.

Foram as vendas, intermináveis, de tapetes, turbantes e colares. Negócio de papel e caneta na mão onde raramente o preço inicial se assemelha ao preço final – e sempre com a certeza (dada pelos vendedores, claro!), de que estamos a comprar a peça de melhor qualidade.

Foi o silêncio de olhar, quando apenas isso era necessário para perceber a beleza do que tínhamos perante nós. Era somente nesse silêncio que conseguíamos projectar o significado de tudo.

Foi superação de limites. Pelo menos, dos meus limites. Subir a grande duna até ao topo e sentar-me, à conversa, no vértice da mesma, após ter dito várias vezes pelo caminho que não conseguia e que ia ficar por ali. A vocês, que puxaram por nós lá de cima, e a ti, que me acompanhaste lado a lado até ao cimo… “quando achamos que não conseguimos mais, conseguimos sempre mais um pouco.” (ninguém chega sozinho a lugar algum). E a grandeza de tudo à volta, visto lá de cima. Poder dizer que lá estive…

Foram desarranjos intestinais e conversas da m**** (muitas coca-cola’s e bananas preventivas), dores de cabeça, dores musculares. Foram comprimidos e mais comprimidos ingeridos (Imodium’s a saltar dos bolsos!). Foi nunca parar por causa disso.

Foram momentos de “relax”. Banhos na piscina, refeições conversadas, instantes prolongados de contemplação, conversas infindáveis no jipe que nos levava sempre ao próximo destino. Foi o jogo da aldeia, jogado por acaso numa noite às portas do deserto. Jogado muitas mais vezes depois disso. Jogo de desconfianças e confianças, de formação de ideias sobre o outro, de observação atenta, fotografias de pensamentos captadas inusitadamente, gargalhadas sinceras (um brinde aos lobos, às videntes, aos aldeões, aos narradores!). Foram cantorias nos restaurantes, nos jipes, nas ruas. Vozes pouco afinadas, timbres desajustados… o sorriso de quem se diverte.

Foram os Kasbahs, Âit-Benhaddou, Alto Atlas, Merzouga, Tombouctou… nomes complicados de lugares simples que nos enchem o peito e a alma. Foram as pistas de Dakar, a poeira levantada, os buracos das estradas.

Foi, obviamente, fotografia. O tempo e espaço que ela exige, as técnicas explicadas ao longo da semana, o conhecer da máquina com que a tiramos. Foi perceber que nada sei de fotografia. Foi o aguçar da curiosidade.

Foi o número 13 e um grupo que se formou. Um grupo de pessoas diferentes. Faixas etárias diversas onde se ouvia muitas vezes “no meu tempo não era assim” ou “isto não é do teu tempo” (continuo a dizer que vocês são uns “cotas porreiros”!). Um grupo que passou de um aglomerado de pessoas desconhecidas a um grupo coeso de pessoas que se conhecem hoje um pouco, que partilharam pedacinhos de vida, bocados de si.

Foram os abraços de despedida, as promessas de um novo encontro em breve… e a questão levantada: onde vamos viajar para o ano? (com a fotoadrenalina, claro!)

7 comments:

Anonymous said...

"Miuda"!!!
Tu até me fazes chorar com esta tua escrita...Chegamos ontem e a saudade já aperta!!! Que bela semana que passamos!! Que belo grupo se juntou, se conheceu...que bela amizade se criou! O 13 não significa azar. O 13 significa amizade e paz.
AUUUUUU!!!! AUUUUU!!! Ah, Lobinho!!! ;-)

icarus said...

Acho que se pode aplicar uma palavra que aprendi na expedição e da achei muito interessante.

"Puravida"

Achas que se pode aplicar? :-)
bjs

Anonymous said...

Como em tão pouco tempo se criam cumplicidades tão fortes. Vamos mantê-las!

bjs

ita said...

bem!!! conseguiste deixar-me um nó na garganta. obrigada!

Bela Isa said...

:) miss you guys!
Ainda bem que gostaram!

Anonymous said...

Após um regresso ao trabalho algo conturbado, com a lista de tarefas "para ontem" a crescer,
as recordações de Marrocos e, principalmente, do grupo 13, são como um "banho" refrescante e retemperador. O meu instinto bem me dizia para eu ir dar uma espreitadela agora no teu blog... e não me enganei (devo ser a vidente nesta ronda).
Obrigada! You made my day :)

.::GOliveira::. said...

Nunca imaginei o número 13 poder ter um significado tão profundo. Vai sem dúvida fazer parte dos meus números favoritos.
Adorei a descrição, fez-me lembrar muitos momentos, sentir cheiros, provar sabores, ver cores e cores.

Beijos.