Um texto escrito há muito tempo. Trago-o para aqui porque considero que é um dos textos mais bonitos que já escrevi (e eu raramente consigo apreciar os meus textos, pelo menos, da maneira como os outros o fazem...). Trago-o também porque agora é apenas um texto. Foi uma mensagem, um sentimento (ou muitos), uma grande amálgama de memórias. É agora um texto de que gosto. Apenas isso. E por isso quis deixá-lo aqui. Para partilhá-lo. Fica apenas o desejo de sentir isto de novo. Já tenho saudades... (e lembro aquele dia em que um grupo de teatro o interpretou e então, me levou às lágrimas. Obrigada por isso Andamento.)
Fico a olhar a rua sem luz,
luz já apagada e penumbra…
O desespero de não saber quem sou,
de procurar quem fui num qualquer lugar.
Praia deserta iluminada apenas por nós,
corpos fundidos e entrelaçados,
que se perdem entre grãos de areia que se colam,
não saem e permanecem.
Mar, cujo fim é inatingível com o olhar,
onde reflectido se encontra um sol pronto a fugir,
só para nos deixar a sós…
Juntos, permanecemos naquele lugar para sempre,
como rochas que se fundem a tantas outras rochas,
formando uma falésia onde esbatem as ondas,
onde o vento uiva para quem quiser ouvir…
Uns anos mais tarde alguém regressará àquele lugar,
olhará aquelas rochas,
verá que não são como todas as outras…
mas só nós sabemos o que escondem,
o que as torna especiais.
E um lugar, perdido no meio de árvores,
escondendo um sonho, magia, alento,
um tesouro para sempre teu, meu, nosso,
onde não se percebe onde termina o mar e onde começa o céu,
onde tudo se funde,
onde fomos duas almas procurando um rumo comum,
onde tudo é sonho e tudo é possível,
onde os “nossos amigos” nos observam melhor,
sempre atentos aos nossos gestos calados,
conversa de quem não precisa de palavras,
apenas a linguagem do brilho e da transparência,
da sinceridade do nosso olhar.
Uma noite algures, um dia,
em que o mundo era nosso e estava ali…
O medo de algo vislumbrado mas não vivido,
perdida num turbilhão de sensações…
Um mergulho às profundezas onde a minha luz eras tu,
guiaste-me, singelo e cauteloso,
até onde um peixe de cara redonda,
colorido como um jardim repleto de flores,
me sorriu…
Fiquei calma, presa a uma paz nunca antes sentida…
Enrolada e protegida adormeci,
sonhadora incrédula de um sonho acabado de viver.
Um jardim repleto de verde onde trocámos palavras,
onde nos confundimos com o que nos rodeava,
e nos esquecemos que não estamos sós,
que existe algo que nos rodeia,
que aquilo, ali, não era eterno.
Entre respirações inexplicavelmente aceleradas,
coração que bate, agitado, sentindo-se encarcerado,
liberdade solta na voz…
Uma única corda nos unia,
certeza de que, apesar de longa, a corda estava sempre lá,
para não nos perdermos por caminhos raros e sombrios,
onde nos sentíssemos abandonados…
Cordas que se rompem ou são (porquê?) demasiado longas,
o desejo de que estejamos tão próximos que não haja espaço para a corda,
sejamos então um único pedaço de rocha,
um castelo de areia sólido,
uma bolha, redoma de vidro, no meio do oceano,
uma estrela cadente realizando, tão somente, os nossos desejos…
Prazer que é loucura,
ou sermos guiados pela loucura do prazer,
mais fortes, mais simples, mais nós,
cada um em si,
ambos juntos.
Quero ser sempre a tua lua,
provocar em ti as marés que te façam viver,
ser um espectro de luzes aberrantes,
para onde só tu olhas, apreciando o que vês.
Cores que não combinam,
unes com inexplicável prazer.
Ver-te no espelho abraçado a mim,
sorrindo sabendo que somos nós, juntos.
Não te encontro,
não te voltei a encontrar a olhar para o espelho,
olhando para mim,
vislumbrando-me no meio de tantas outras coisas projectadas nele.
Um quarto de uma qualquer casa (ou não),
onde, naquele dia, ninguém fugiu,
e simplesmente não conseguimos dizer não…
Presente: só.
Esqueço-me, lembro-me de tudo…
Agarro algo que me puxa
e deixo-me ir…
levar-me-á junto a ti?
Continuo só,
contigo entranhado em mim,
sufocando e dando o ar que respiro,
batendo e beijando,
sendo especial…
tu…
eu…
nós, num qualquer lugar...
mas nós.
(Escrito algures em 2003...)