Sunday, March 30, 2008

Fingir que não vemos, negar que existe.

"A miniatura de restaurante tem um cheiro que eu conheço: é o cheiro de crianças pobres. Volta-me à memória um acampamento com os "lobitos" - as miniaturas de escuteiros. Fomos passar uma semana à Casa do Gaiato. Eu tinha nove ou dez anos, não conhecia crianças pobres e muito menos a pobreza. Não conhecia o pão castanho de centeio e muito menos sabia que, à falta de melhor, um pequeno-almoço se pode barrar com margarina Vaqueiro. Não conhecia o cheiro a mofo dos cobertores, muito menos sabia que o mofo pode ficar a pairar no ar das camaratas e nos cabelos de uma pessoa. Não sabia que um brinquedo de lata pode substituir um pai e uma mãe. Nesses dias senti-me em culpa pelo meu berço burguês, pela minha harmonia familiar, pela minha condição privilegiada num mundo de melancolia e sofrimento. Senti pela primeira vez na vida o vazio das existências inúteis e abastadas, dos caminhos já preparados, das portas já abertas."
(Gonçalo Cadilhe - Planisfério Pessoal)
Conhecer estes outros mundos, é conhecer o mundo em que vivemos. Um mundo de desigualdades sociais, de pobreza, de sofrimento e de fome. Um mundo onde apenas uma pequena parte da população não sente tudo isto na pele. Fingir que não o vemos, virar as costas a tudo isto, negar a sua existência... é fechar-mo-nos ao mundo e viver (?) numa gotícula microscópica do oceáno que nos envolve. A realidade não é tão feliz como gostaríamos que fosse. Cabe-nos percebê-lo e melhorá-la um pouco...
"Nunca duvides de que um pequeno grupo de cidadãos responsáveis e empenhados consiga mudar o mundo. De facto, é essa a única forma."

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