Sunday, December 7, 2008

J.

Pois é. Decidi escrever um post sobre ti.
O J. é um rapaz novo. É nosso conhecido lá no serviço. No seu último internamento esteve "em maus lençóis" mas lá se safou, e ainda está entre nós.
Gosto dele. É um daqueles doentes que me fazem sorrir quando penso nele ou quando o vejo. Lembro-me dos seus bons e maus momentos, daquelas alturas em que me chateava com ele porque só fazia coisas que o prejudicavam e não ligava nada aos conselhos que lhe eram dados.
O J. é toxicodependente. É também VIH +. É sem abrigo, recebendo o apoio de um centro de acolhimento.
Recordo-me de olhar para ele a certa altura e pensar que era como uma criança. Os neurónios, esses, muitos já se puseram a dormir há muito tempo, e a lentificação durante o internamento era uma característica habitual. Lembro-me da transição entre estar totalmente sedado a começar a acordar mas ter que estar imobilizado sempre na cama... a começar o levante para a cadeira onde tinha, novamente, de ficar imobilizado... até ao levante para a cadeira sem necessidade de imobilização pois já não fugia do serviço. Lembro-me daquela vez que saiu depois de termos combinado que não o faria e ter voltado, na companhia do auxiliar. Ficou a olhar para mim, lá do fundo do corredor, com aquela cara de criança que fez asneira... bastou-me dizer "J..." e ele baixou a cabeça, pediu desculpa e passou o resto do turno sentado no cadeirão.
Lembro-me também do dia da tua alta. Lembro-me de te ter visto, há uns tempos, a passear na Av. da Liberdade, com bom aspecto, de sorriso na cara, cheio de vida. Lembro-me de ter pensado para mim que são estes momentos e estes bons resultados que tornam o nosso trabalho gratificante.
Outro dia foste fazer uma visita. Estavas preocupado porque a febre acompanhava-te desde há 3 dias. Mas estavas outro. O discurso já não lentificado, a vida a inundar-te, a imagem de quem abandonou aquilo que já muitos estragos fez ao teu corpo. Uma pessoa feliz, capaz... agradecido por tudo o que fizemos por ti (não foi mais o que TU fizeste por ti?!?).
Sim, às vezes guardamos um cantinho especial em nós para pessoas que por nós passam e nos marcam. Eu nutro um carinho especial por ti. Tal como pelo E., pelo A. e pelo B. (que infelizmente já não estão entre nós), pelo J, pelo A.,... Nós enfermeiros também não conseguimos evitar que tal aconteça... somos humanos.
Juízo. Continua assim e vem ver-nos mais vezes. Traz esse sorriso contigo e não me faças ver-te mais vezes numa cama deitado, inerte... de tanta medicação que te damos para passares o período de privação. Assim estás bem.

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