Saturday, December 6, 2008

Perceber o passar do tempo... e vivê-lo.

Fiquei a saber o que significa "estar em forma" nos dias de hoje. Significa correr quilómetros em cima de um tapete rolante e não sair do lugar. Significa levantar centenas de vezes um par de pesos ligados a uma roldana sem reparar que os pesos voltam sempre à posição inicial. (...)
Eu defendo a beleza física. Gosto de ver passar raparigas jovens e bonitas, com corpos bem feitos. Também gosto de ver passar rapazes com as mesmas características, porque a beleza pode ser admirada para lá dos confins da sexualidade. Mas também gosto de ver velhos senhores com os cabelos brancos, a coluna vergada e o chapéu a condizer com a gabardine e a gravata, e gosto de ver pescadores cheios de rugas solares, e muçulmanas com o corpo adivinhado a partir dum olhar profundo, e gosto da beleza luminosa que só um sorriso numa cara gorda consegue transmitir. (...)
Fiquei a pensar nesta incapacidade nossa, homens e mulheres do século XXI, de aceitar o correr do tempo, o passar dos anos, as marcas da idade, a decadência física. Esta nossa falta de preparação para o percurso normal da vida, que é aquele que nos conduz à morte. Como se a morte pudesse ser contornada ou adiada com o "health club" e a água mineral. (...)
Há-de me chegar o tempo dos longboards e das ondas pequenas e das paredes perfeitas, e dos dias quentes que não aleijam nos ossos. O corpo há-de pedir isso mesmo, e o espírito há-de ajustar as expectativas de prazer às possibilidades que o corpo pode dar. É assim, é natural.
Gonçalo Cadilhe
No princípio estava o mar

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