A morte tem um cheiro característico. Hoje lembrei-me disto. Tinha cinco anos e recordo-me como se fosse hoje. O meu avô, homem imponente, figura carismática, sempre seguro de si, adoeceu... De repente, os cigarros ficavam pendurados na boca e não eram acendidos. De repente, já não entendia o que ele dizia. De repente, já não me reconhecia. De repente ficou ali, deitado numa cama. E eu só sei que não queria lá entrar para lhe dar um beijo. A escuridão, o cheiro, aquela pessoa que já não era ele. Eu não quis estar com o meu avô. E um dia, a minha mãe acordou-me com uma frase: "Ana, tens de ir para casa da Bé... o avô morreu". Tinha cinco anos. Só aos dezoito, numa aula em que voltávamos ao passado e tentávamos perceber quem éramos, resultado de que experiências e vivências... só aos dezoito anos chorei a morte dele. E até hoje choro quando penso que não quis estar com ele... hoje, que sou enfermeira, e estou com tantas pessoas até ao fim.
Hoje foi dia de conversas difíceis. Não percebo, não entendo, não imagino. Quando a dor é tão funda, que vai para além das lágrimas e do choro. Quando o vazio fica e nada o substitui. Quando a saudade está sempre presente.
É tempo de silêncio...
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