Friday, January 15, 2010

Lutar pela Enfermagem!

A Enfermagem ainda não mostrou a sua força no nosso país. É isto que posso concluir da proposta que o governo fez em relação à progressão da carreira e grelha salarial que propôs para a Enfermagem.
Uma vergonha. Somos uma profissão que necessita constantemente de actualizações e de formação contínua. Para tal investimos muito do nosso tempo (sim, porque o estatuto de trabalhador estudante é só para alguns e em moldes muito distintos aos que a lei regula) e dinheiro (escusado será dizer que se nem o tempo nos dão muito menos o dinheiro). Além disso, desde 1999 que Enfermagem alcançou o grau de licenciatura e desde então que os nossos salários são significativamente mais baixos que o de outros licenciados. E a proposta feita, atendendo a algumas concessões dadas a alguns grupos profissionais nos últimos tempos, nomeadamente aos professores, aumenta ainda mais essa disparidade. Porquê? São mais? Fazem mais barulho nas ruas? Se a resposta é essa fica para reflectir... há uns meses atrás 5000 enfermeiros saíram à rua... pouco se falou disso. Porquê não vamos mais para a rua? Porque temos de prestar serviços mínimos, o que significa que um número "mínimo" de enfermeiros tem de ficar sempre a trabalhar... agora a ironia: este número "mínimo" é, em muitos casos, o número de enfermeiros que os serviços têm habitualmente. Ou seja, para além das nossas condições de trabalho, motivação e progressão na carreira (que desconheço desde que comecei a trabalhar, e já lá vão 3 anos e meio), falta-nos pessoal. Sim, ao contrário do que se diz não existem enfermeiros a mais. Existem sim enfermeiros no desemprego porque as dotações são inseguras, irregulares, ineficazes. O erro, a possibilidade de o doente ver a sua evolução e o seu prognóstico piorar porque as dotações não são as que deveriam ser, é tremenda, e isto foi já confirmado por inúmeros estudos de investigação.
Fazemos o nosso melhor mas não somos nada mais do que seres humanos. A desmotivação reina entre a nossa classe profissional e não compreendemos porque somos constantemente esquecidos e postos de lado. Será que as greves não abanam o sistema? Claro que não! Porque os nossos serviços mínimos garantem que ninguém sinta o seu impacto. O doente, a família... são todos os dias, de greve ou não, a nossa prioridade. Excelente seria ficármos à porta dos hospitais e centros de saúde, no dia de greve, e ninguém trabalhar nada de nada. Seguramente aí se perceberia o que fazemos, o impacto da nossa actividade e a verdade nua e crua: sem enfermeiros não há sistema de saúde. Aí perceberiam a importância do que fazemos.
Somos muito mais do que pessoas com fardas e batas brancas que tiraram uma licenciatura. Somos quem estamos 24h com o doente, quem antevê os problemas, quem faz a triagem, quem actúa em primeira linha, quem ouve, aconselha e orienta, quem dá a mão no último suspiro, quem cuida do corpo e da alma, quem detecta a emergência quando esta ainda não se tornou emergência e quem actúa em primeiro lugar quando a emergência se tornou inevitável. Somos nós, não é mais ninguém.
É uma vergonha o que nos propõem. Estou a falar de um salário base, para início de carreira, na ordem dos 990 euros para 35h... estou a falar de um salário assim comparado com um salário base de cerca de 1500 euros de outros licenciados como os professores. E ser especialista ou não é exactamente igual a ter feito unicamente a formação base. O que é isto?
É bom que nos ouçam, se não vamo-nos fazer ouvir. E bem alto.
Para mim, que desde que terminei o curso, desde o primeiro momento, invisto afincadamente nesta profissão, com formação contínua, com trabalhos, protocolos e apresentações no serviço, com a realização actualmente da Especialidade/Mestrado, tudo me parece ainda mais injusto. Vejo tantos e tantos enfermeiros como eu, a investir, a querer ser melhores para melhorar os cuidados e a saúde dos portugueses, e a resposta é esta.
Querem saúde? Querem melhores cuidados, mais humanizados e mais individualizados? Querem estar seguros num hospital e num centro de saúde, no momento em que se encontram, provavelmente, mais fragilizados? Então empreguem o número adequado de enfermeiros, e não os mínimos, e valorizem-nos. O "salário emocional" não é suficiente. Podemos adorar o que fazemos mas merecemos também que o nosso trabalho seja pago de acordo com a magnitude das nossas intervenções.

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