Os corredores não são escuros por acaso. Não ficam escuros à noite por acaso. Não têm um peso maior que outros corredores, como os de minha casa, por acaso. Os corredores do serviço carregam histórias. Umas bonitas, outras que preferia não lembrar. Mas são essas que durante a noite, mais recordo.
Tento então lembrar o que já vi passar nestes corredores. Uma espécie de arrepio percorre o meu corpo. Por tudo... apenas porque sim. Recordo as pessoas com alta, a saírem de braço dado com a família, sorridentes, por uma recuperação inesperada. Recordo a correria perante aquele grito poderoso... "paragem"... Recordo os cânticos de Natal, o concerto de violinos... Lembro também aquele senhor, de crista feita por nós, porque o cabelo era para sair, "já não estava lá a fazer nada"... e tínhamos de brincar com a situação. O seu sorriso e a sua alegria, por curtos momentos... O cabelo que sim, desapareceu, assim como aquela pessoa, aquela boa pessoa. Apenas porque sim. Os jovens e velhos que por cá passam. Os que de cá saem. Os que para sempre cá ficam. São eles que sinto nestes corredores. Mas incrivelmente, gosto de passear nestes corredores à noite. Porque me lembro, porque os sinto, porque se o faço são para sempre importantes.
Hoje não. Hoje não me apetece muito passear-me por estes corredores. Hoje sinto que talvez daqui a uma horas mais uma pessoa se junte ao peso dos corredores, a uma lembrança que tenho, mas que não pode ser mais do que isso. Não gosto do seu sofrimento, somente porque é sofrimento. E ninguém devia sofrer. Será mesmo hoje?...
E afinal, hoje... hoje é uma noite, apenas mais uma...
1 comment:
fiquei arrepiada a ler isto. já tinha saudades da intensidade e da crueza das tuas palavras. simples, sem grandes artifícios, a transmitirem de uma forma poderosa essas memórias e sentimentos.
fazes uma abordagem quase transcendente desse que é o teu trabalho. que é mais do que um trabalho, que para ti é uma paixão. com todos os corredores que tens de atravessar, com todas as luzes e sombras que o envolvem.
por vezes quase me esqueço do que é isso, essa coisa de viver os doentes que passam por nós. perdida entre corredores outros, numa língua estrangeira, em que vejo quem trato apenas poucos minutos antes de terminar o trabalho dos anestesistas. sim, a frieza do bloco tem-se sentido nestes dias e tenho saudades já de andar pelos corredores da enfermaria, de entrar no quarto dos doentes, de estar com eles. mesmo quando tenho q andar às voltas com o francês para me fazer entender, e para que me entendam.
ainda tenho um longo percurso até que as paredes de um corredor me conheçam a mim. eu vou passando por muitos, de fugida, sem quase me ligar a eles. a pouco e pouco crescendo.
a saudade continua cá. mas tenho-te sempre por perto para me dizeres a quantas ando!;)
bons posts! eu vou andando por perto!;)
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